Home Futebol Pia Sundhage escolhe não se comprometer com as próprias ideias na convocação para a Copa do Mundo Feminina

Pia Sundhage escolhe não se comprometer com as próprias ideias na convocação para a Copa do Mundo Feminina

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as escolhas da treinadora sueca e as chances da Seleção Brasileira no Mundial

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

O sentimento deste que escreve sobre a lista de jogadoras convocadas para a Copa do Mundo Feminina da Austrália e Nova Zelândia é um pouco contraditório. Quando olhamos os nomes chamados para o Mundial, vemos que Pia Sundhage seguiu a linha de trabalho tão defendida aqui neste espaço desde sua chegada à Seleção Brasileira em 2019. O problema é que a presença da goleira Bárbara e da zagueira Mônica Hickmann deixaram a sensação de que a treinadora sueca hesitou na hora de finalmente consolidar a renovação da equipe. Ninguém questiona o tamanho das duas na modalidade, mas é frustrante saber que Pia escolheu não se comprometer com o próprio trabalho na hora de fechar a lista.

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São escolhas difíceis de compreender ainda mais na convocação que deveria reunir as melhores jogadoras brasileiras ou (pelo menos) aquelas que mais se destacaram nesse período. É complicado explicar, por exemplo, por que Mônica Hickmann foi chamada sem ter feito parte de todo o ciclo em detrimento de Fê Palermo (do São Paulo) ou até mesmo Tarciane (do Corinthians). É praticamente impossível encontrar coerência na presença de Bárbara entre as goleiras, visto que Luciana (da Ferroviária) vinha sendo chamada nas últimas partidas da Seleção Feminina e entrega a mesma experiência e vivência da goleira do Flamengo. E sem as falhas cometidas nas quartas de final do Brasileirão Feminino.

Isso, no entanto, não anula o fato de que o trabalho de renovação aconteceu de certa forma. São onze estreantes em Copas do Mundo e que fazer de um grupo fechadíssimo e comprometido até o último fio de cabelo com o trabalho de Pia Sundhage. Além disso, vimos uma Seleção Brasileira que mostrou variações táticas e o trabalho sem bola tão pedido pela treinadora sueca. A última Data FIFA ante da convocação final (os jogos contra a Inglaterra e a Alemanha) provam essa tese. O Brasil teve organização, capacidade de reação e muita concentração para bater de frente com adversárias poderosas. Nos acostumamos a ver o 4-4-2 de Pia Sundhage se transformar num 3-1-4-2 com várias trocas de posição durante os jogos.

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Tamires avança, Ary Borges vem por dentro, Adriana abre o campo e Antônia fecha como zagueira. O Brasil mostrou repertório tático. Foto: Reprodução / Youtube / German Football

O grande achado de Pia Sundhage nesse último ciclo foi o aumento da consistência e da organização defensiva e a adaptação a contextos completamente desfavoráveis com as lesões de Duda Sampaio, Angelina e Luana durante esse período. Tanto que Kerolin vem se destacando imensamente jogando como a meio-campista interior que organiza a saída de bola e que pisa na área para criar jogadas de ataque por dentro. Vale destacar aqui um ponto levantado pelo próprio Pep Guardiola numa de suas entrevistas: é preciso vencer duelos dentro de campo. Principalmente quando “só” o talento não resolve. E Kerolin, Ary Borges, Ana Vitória, Bia Zaneratto, Antônia e Geyse vencem muitos duelos.

Antônia é driblada e Kerolin faz a cobertura. A jogadora do North Carolina Courage se destacou jogando como meio-campista interior. Foto: Reprodução / Youtube / German Football

Eu e você sabemos bem que o trabalho é bem feito e que a Seleção Feminina ganhou o respeito das suas adversárias por finalmente ter compreendido que precisa jogar “sem a bola”. Com isso em mente, ficou fácil para Pia Sundhage implementar suas ideias de jogo e as variações táticas já mencionadas aqui neste espaço. E talvez seja por isso também que o sentimento de frustração diante da presença de Mônica Hickmann e Bárbara na lista final seja tão grande. A renovação estava sendo bem feita na equipe e Pia Sundhage poderia ter evitado problemas apenas se mantendo fiel aos seus conceitos e não em escolher o caminho “mais fácil” com a presença das duas veteranas na Seleção Brasileira.

Formação inicial do Brasil contra a Alemanha. Pia Sundhage usou jogadoras versáteis e variou bem o desenho tático com Antônia mais presa na última linha e Tamires mais solta.

Podemos olhar essa convocação final para a Copa do Mundo de duas maneiras. A primeira com o copo “meio vazio”, com as convocações de duas veteranas que já não faziam parte do ciclo em detrimento de outros nomes mais jovens e que poderiam somar muito mais. E a segunda é com o copo “meio cheio”, visto que temos um grupo de 26 jogadoras chamadas (23 convocadas e três suplentes) onde apenas dois nomes estão sendo questionados. Bem diferente de outros tempos, é verdade. No entanto, isso não diminui a frustração com as últimas decisões de Pia Sundhage. Mesmo com as lesões de Tainara e Lorena e a necessidade de se dar um toque de experiência a um grupo que precisa de “casca”.

Fato é que esse é o grupo que vai disputar a Copa do Mundo Feminina. E aí começam as perguntas. Se Lelê se lesionar, quem assume o posto? A jovem Camila Rodrigues ou Bárbara? E na zaga? Mônica Hickmann é a primeira opção caso Kathellen ou Rafaelle se lesionem ou sejam suspensas? Assim como aconteceu nos Jogos Olímpicos, Pia Sundhage pode se tornar refém da falta de comprometimento com suas próprias ideias no Mundial da Austrália e da Nova Zelândia. A lista final tem sim ótimos nomes e um ótimo conjunto. Por outro lado, é difícil entender os motivos que levaram Pia a optar por esse caminho. E sem respostas, as especulações sobre interferências externas e “panelas” no time ganham espaço.

Este que escreve ainda mantém a expectativa de que o Brasil PELO MENOS vá conseguir sua classificação para as oitavas de final da Copa do Mundo Feminina por conta do chaveamento e do sorteio. Mesmo assim, as orações para as deusas do velho e rude esporte bretão seguem seu curso com o pedido para que a “LAST DANCE” de Marta tenha um mínimo de dignidade para a melhor jogadora de todos os tempos. O grupo parece fechado nessa questão e com os conceitos de Pia Sundhage. Nos resta torcer para que tudo corra bem na Austrália e na Nova Zelândia.