Home Futebol De oito anos na série C à Sul-Americana: a trajetória do Fortaleza contada por quem viveu de perto

De oito anos na série C à Sul-Americana: a trajetória do Fortaleza contada por quem viveu de perto

Torcedores, funcionários e radialista que cobre o Fortaleza contam vivência da crise à ascensão do Leão

Didé Fontana
Colaborador do Torcedores.com.

Há dez anos, o Fortaleza estava em seu primeiro de oito anos consecutivos na série C do Campeonato Brasileiro, e hoje, estreia no Castelão em sua primeira competição internacional, a Copa Sul-Americana, recebendo pelo jogo de volta o  Independiente, da Argentina. O Leão buscará reverter o placar após derrota por 1 a 0 válido pela primeira fase da competição.

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Em meio a expectativas em torno da estreia pela Sul-Americana em casa, radialista, funcionários do clube e torcedores relatam suas vivências com o clube nestes dez últimos anos.

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Foto: Leonardo Moreira e Gustavo Simão/ Divulgação Fortaleza

 Início da crise

De joelhos pedindo a Deus que impedisse o rebaixamento do Fortaleza. Era assim que a torcedora Francisca Jaqueline da Rocha, de 55 anos estava no jogo que culminou no rebaixamento do Leão para a série C de 2009, em derrota por 2 a 1 diante do São Caetano no Castelão.”Demorei para sair do estádio naquele jogo, pois estava lá, chorando. Só sai quando a polícia me pediu que me retirasse do estádio”, contou a torcedora que acompanha o clube há 47 anos, popularmente conhecida por Jack.

“Enxuguei as lágrimas, peguei minha bandeira e jurei ali mesmo que nunca na vida ia abandonar meu clube. Fiz de tudo pra ele não cair mais não tinha conseguido ,mais ia fazer de tudo pra ajudar ele se levantar, as lágrimas não paravam”, contou Jack que, no caminho de casa, por ser conhecida até pelos torcedores do rival Ceará, teve de aguentar as piadas dos alvinegros. “Guardei a bandeira e caminhei por duas horas ouvindo a gritos de provocação dos rivais”

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Anos de vacas magras

O ano de 2010 deu início a oito anos consecutivos entre desclassificação e decisões valendo acesso batendo na trave. Foi com mudanças políticas que a temporada do Fortaleza começou, conforme o roupeiro Francisco Claudio Pereira da Silva, que trabalha a 20 anos no clube. “A dificuldade foi grande, nenhum diretor queria assumir, e quem pegou a presidência foi o Renan Vieira. Na série C, todas as despesas como passagem e hospedagem eram pagas pelo clube”, comentou Sextinha, como é popularmente conhecido.

“Esse foi um ano horrível para o Fortaleza, tinha certeza que iria ficar só um ano na série C”, relembra a torcedora Jack, sobre a temporada de 2010, ano em que o Fortaleza não passou sequer da fase de grupos.

Ano após ano, o Fortaleza bateu na trave em conseguir o acesso à série B. “O FEC na série C gerava aquele misto de sentimentos, ansiedade, decepção, trauma, expectativa e acima de tudo união. Pegávamos literalmente nosso clube no colo, enchíamos o estádio e na hora decisiva, batíamos na trave, era desolador.”, comentou Deseree Martins Paz, que faz parte da terceira geração de torcedores da sua família.

“Uma das coisas mais tristes nesses anos de série C foram as frustrações após a partida. Nós tínhamos muita fé e os times eram competitivos. Era uma época de muita união na torcida, a galera via que o lugar do Fortaleza não era na série C”, comenta João Paulo Silva Melo, presidente de uma das torcidas do Fortaleza.”Pelo tamanho da torcida e pelas festas, a gente levantava a cabeça de novo com a esperança de que aquilo tudo iria mudar”

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Quase foi para a série D

No segundo ano disputando a série C, em 2011, o Fortaleza teve uma campanha negativa, próxima do rebaixamento à série D do Campeonato Brasileiro. Na fase de grupos, após uma derrota por 4 a 0 diante do América-RN fora de casa, o Fortaleza precisaria vencer o CRB de no mínimo, por quatro gols de diferença para evitar mais um rebaixamento.

“Foi triste, eu não conseguia trabalhar, comer de tanta tristeza, e lá fui pro presidente Vargas, com a bandeira nas costas para mais uma missão, e veio o milagre. Fortaleza evitou o que seria pior ainda” relembrou Jack, sobre a vitória do Fortaleza por 4 a 0 diante do CRB.

Acesso batendo na trave

Em 2012, o clube esteve perto de conseguir o acesso, batendo na trave diante do Oeste, de Itápolis. Após um empate em 1 a 1 na partida de ida, o Fortaleza iria decidir o acesso jogando em casa. “Naquele dia era meu aniversário, Fiz bolo, enchi a geladeira de cerveja para comemorar, fiz cartazes pedindo o acesso de presente. Até cantaram parabéns para mim na arquibancada. O estádio estava lotado e tudo pronto para a carreata até minha casa para comemorar”, relembrou Jack, sobre a derrota por 3 a 1, adiando o sonho do acesso à série B.

Em 2013, o Fortaleza ficou na fase de grupos. No ano seguinte, mais uma vez o acesso esteve perto, dessa vez diante do Macaé, após um empate sem gols na partida de ida, a decisão seria no Castelão. “A bola não entrava de jeito nenhum, pressionamos os caras o jogo todo. Após a partida, ficamos no vestiário chorando. Fomos para casa quase cinco ou seis horas depois do jogo” comentou Sextinha.

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Passou 2014, o Fortaleza teria pela frente mais dois anos no “quase” do acesso. Em 2015, teve pela frente o Brasil de Pelotas garantindo o acesso em pleno Castelão e em 2016, o Juventude, que subiu diante do Fortaleza também no Castelão

O início da ascensão

O ano que o Fortaleza enfim voltaria para a segunda divisão foi em 2017, e o adversário era o Tupi de Juiz de Fora.  Na primeira partida, o Fortaleza venceu em casa por 2 a 0 e decidiria o acesso em Minas Gerais. “A gente organizou a segunda maior caravana de torcidas do Brasil, a primeira foi nossa também anos atrás contra o Brasil de Pelotas. Na ocasião, enchemos seis ônibus da torcida organizada” relembra João Paulo.

A preparação para a partida chegou ao ponto de o time receber uma invasão de um grupo da torcida feminina no último treino antes do jogo. “Entramos com balões e fumaça azul, vermelha e branca. Cantamos o hino do clube e eu mais chorava do que cantava”, contou Jack.

A torcida chegou a Juiz de Fora com sinalizadores para usar fora do estádio, porém  guardou para usar estrategicamente no estádio. “Guardamos para usar como meio de distração do time adversário. O Tupi abriu o placar e ficou aquele medo de acontecer o pior, ficamos com medo de o Tupi fazer mais gols e nos eliminar” afirmou João Paulo.

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Em meio a pressão do Tupi, que não parava de atacar, a torcida usou os sinalizadores que tinha guardado para apoiar o Fortaleza,e com isso o jogo paralisou. “Com a paralisação, o time ganhou fôlego na partida”

Um dos lances memoráveis para o torcedor do Fortaleza foi uma defesa realizada pelo goleiro Marcelo Boeck “Aquela era a última oportunidade perigosa do Tupi, um chute de fora da área muito forte que o Boeck defendeu de mão trocada. Esperamos com bastante angustia o fim do jogo. Quando acabou, todo mundo caiu chorando, saímos pulando, festejando”, disse João Paulo, sobre o acesso à série B.

Com o acesso, ainda restara o primeiro título nacional, que ficou guardado para o ano seguinte, mesmo com o Fortaleza se classificando à final da série C. O adversário era o CSA de Alagoas, que venceu o clube do Ceará na primeira partida por 2 a 1 e as duas equipes empataram em 0 a 0 na decisão. Com o resultado, o Leão teve de se contentar com o vice-campeonato.

Série B

Com a volta à série B, o clube trouxe um reforço de peso para assumir o comando técnico da equipe cearense, Rogério Ceni. “Em síntese, um verdadeiro casamento que deu certo, Ceni e Fortaleza. Um clube que nasceu para ser campeão com um treinador e ex-jogador com um DNA de supercampeão” ponderou Maurício Santos, radialista no Ceará e historiador de Futebol.

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No início do ano, a torcida realizou uma reunião com o técnico Rogério Ceni, que prometeu o acesso para a série A. “É uma coisa que ficou na memória, a palavra e a confiança que ele nos passou” afirmou o torcedor João Paulo.

O trabalho de Rogério Ceni foi destacado pelo roupeiro Sextinha. “Os jogadores colocavam na cabeça o que o Rogério sempre pedia, que vencer é a melhor coisa. Ele dizia `vocês querem vencer? sempre serão lembrados´”

Após boa parte da competição assumindo a liderança, o clube garantiu o acesso à primeira divisão após uma vitória por 2 a 1 diante do Atlético Goianense, fora de casa, no dia 03 de novembro, restava apenas o título.

Primeiro título nacional

A primeira oportunidade de se sagrar campeão antecipado foi contra o CSA de Alagoas. “Era aniversário do meu filho, matematicamente a vitória daria o título, com o gol de Dodô aos 35 do primeiro tempo, foi uma empolgação só, mas o gol de empate do CSA/AL perto do fim empurrou a espera para mais três dias”, relembrou a então secretária geral do clube, Maria de Fátima Batista.

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O primeiro título nacional foi conquistado em Florianópolis, contra o Avai. “almoçarmos em família, comprei uns lanches para assistir em casa via TV, e para felicidade total o gol de Rodolfo veio aos 49 do segundo tempo, fazendo transbordar de alegria” contou Maria de Fátima, popularmente conhecida por Fatinha. Com o título, Fatinha comemorou no bairro com os familiares e amigos da vizinhança.

Fatinha não foi a única que mobilizou a festa do título longe do time, pois João Paulo, presidente de uma das torcidas organizadas do clube, também preparou a festa na capital cearense. ” Fizemos uma grande festa na sede da torcida. A cidade parecia que estava comemorando um Réveillon como nunca antes. Era fogos por toda a cidade e comemoração por todo o estado”

De volta à elite

Embalado com a campanha, o Fortaleza retornava à elite do Campeonato Brasileiro após 12 anos entre séries B e C. A campanha do clube na série A garantiu ao Fortaleza, na 9 º colocação, a classificação inédita a uma competição internacional, que é a Copa Sul-Americana.

Em seu retorno à elite, o torcedor João Paulo relembra o empate em  com o então líder  Santos. “Fui para a Vila Belmiro, onde o Fortaleza começou perdendo por 3 a 0, mas buscou o empate, que era algo inimaginável. Pedia calma aos torcedores, pois tinha muita fé em Deus”. Com o resultado, o Santos havia perdido a liderança do Campeonato Brasileiro.

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No segundo turno, o Santos protagonizaria um outro jogo importante para o Fortaleza, dessa vez, para a permanência do clube cearense na série A. A torcedora Jack recorda a partida. “Ganhamos de 2 a 1, no final o juiz deu um pênalti que o Felipe Alves defendeu. Não cheguei a ver a defesa, pois estava de joelhos e de costas pedindo a Deus que o goleiro defendesse. Só  soube da defesa depois que ouvi a torcida gritar `AH Felipe Alves é paredão´”.

Para o historiador de Futebol, Maurício Santos, o ano de 2019 foi o ápice da história do clube, a começar por 2018 com os títulos da série B, Cearense 2019 e a Copa do Nordeste 2019. “Fechou 2019 como o melhor  nordestino na elite, na 9 º colocação do Brasileirão e a bonificação de disputar uma Sul-Americana. Com isso, o Fortaleza tornou-se o primeiro clube cearense a disputar uma competição internacional fora do Brasil”

Copa Sul-Americana

O Fortaleza estreia uma competição internacional no Castelão nesta quinta (27), e conforme João Paulo, a torcida vem se mobilizando para a ocasião. ” Saber que essa festa poderá fazer a torcida ser reconhecida pela  América do Sul nos motivou para este jogo. A motivação inclusive foi vista na nossa invasão em Buenos Aires no confronto de ida. Para hoje, organizamos um mega mosaico por todo o estádio para o jogo desta noite”

Além de torcer por uma vitória, Fatinha, aniversariante do dia, tem um motivo a mais para desejar a vitória do. “nada melhor e mais marcante para minha pessoa que, no dia do meu aniversário o nosso tricolor vença, e com isso, passe de fase na primeira competição internacional”

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“Na minha avaliação, uma verdadeira metamorfose, saindo do Buraco da C em 2010 para o Céu de Brigadeiro que é a Sul-Americana 2020.”,  ponderou o historiador Maurício.

 

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