Home Torcedoras O palhaço Piolin e os Circos: produtores do futebol feminino e do boxe nacional

O palhaço Piolin e os Circos: produtores do futebol feminino e do boxe nacional

O que há de comum entre as histórias do boxe e do futebol de mulheres no Brasil?

Aira Bonfim
Colunista do Torcedores.com.

Muitas pessoas que conhecem o meu trabalho de pesquisa tem se perguntado o porquê do futebol e do boxe na minha vidinha atual. Como saí dos terrões varzeanos, da militância junto ao futebol feminino e fui parar nas pesquisas sobre boxe?

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Respondo: eu não fui para lugar algum. Foram as próprias histórias que se entre cruzaram e oportunamente pararam na minha frente!

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Explico: enquanto pesquisava a história dos primórdio do futebol jogado pelas brasileiras, não foram nos clubes de futebol mas sim o cenário dos circos nacionais que se mostram como um lugar propício para a divulgação e promoção desse assim… espetáculo!

E quem estava lá também??? O boxe! O Piolin! Um mundão de gente.

Cena do boxe paulista em 1923. Revista A Cigarra

O contexto

Sim! Diferente do futebol praticado por homens, o esporte bretão não foi incentivado entre as moçoilas da elite brasileira no final do século XIX e início do século XX.

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Todavia, curiosamente, foi dentro das lonas dos picadeiros de São Paulo e Rio de Janeiro que encontrei campeonatos de futebol de mulheres que ganharam a atenção do público torcedor e renderam belas receitas aos produtores circenses.

Torneios esportivos contribuíam para com a fidelização do público frequentador dos circos, ou seja, eles compravam ingressos em dias consecutivos para poder acompanhar o vencedor do certame (fosse a disputa de futebol ou de qualquer outra coisa).

Nas primeiras sessões dos circo, apresentavam-se as atrações tradicionais como malabarismos, contorcionismos, equilibrismos e etc., e na segunda sessão, um confronto, uma luta, um campeonato ou mesmo uma apresentação teatral (circo-teatro).

Vale aqui destacar que nessa época, entre os anos de 1920, 30 e 40, os circos eram considerados uma das atrações de lazer mais consumidas pelas população brasileira, entre ricos e pobres. Algo como a televisão e a internet nas últimas gerações.

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Nesse cenário, Abelardo Pinto, o famoso palhaço Piolin, ícone dos modernistas da época, trabalhava para o Circo Alcebíades entre 1926 e 1929 no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo.

Piolin foi astuto ao vestir as atrizes com os uniformes das principais equipes de futebol e oferecer as lonas do seu circo como principal reduto das programações de boxe da época.

Circo Alcebíades, Largo do Paissandu. Acervo CMC

Boxe e circo? É isso mesmo com?

Os ringues de lutas apresentados nos circos de São Paulo atraíam uma quantidade significativa de públicos ansiosos em ver de perto a potencia física e viril dos mais diferentes modalidades de lutadores. Diferente de hoje, não existia de maneira organizada as federações de cada esporte, nem mesmo meios de exibição dessas rinhas (tv, internet, rádio e etc).

Era preciso sair de casa e se deslocar para os circuitos de diversão: os circos!

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E além do futebol, o boxe também estava se popularizando significativamente na época. José Floriano, o próprio filho do Marechal Floriano Peixoto, segundo presidente do Brasil, ficou conhecido nacionalmente como um lutador profissional e empresário do ramo circense entre 1910 e 1920.

Algumas modalidades consideradas “exóticas” de lutas como o Jiu-Jitsu, a Capoeira, a Luta Livre e Luta Greco Romana ainda tinham pouco prestígio no ambiente tradicional esportivo, mas causavam alucinação quando eram apresentadas ao vivo sob as lonas.

A cena pugilística paulistana cresceu consideravelmente entre 1920 e 30, e ocupou os pavilhões circenses das tradicionais famílias de artistas como os Queirolo, Acebíades, Piolin, Seyssel e Dudu.

Locais centrais e conhecidos até os dias atuais como a Ladeira Porto Geral, a Avenida Rangel Pestana, Rua Boa Vista e Paissandu apresentavam rotineiramente reuniões de boxe.

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Houve até uma proibição municipal protocolada em 1924 que foi ironicamente revogada no ano seguinte pelo prefeito interino Luciano Gualberto, personagem que se tornaria anos mais tarde, presidente da Comissão de Pugilismo.

Cena do Café dos Artistas, local de encontro e agendamento de lutas de boxe no Paissandu. Acervo CMC

Mas e o futebol com isso?

Muitos esportes foram absorvidos e apresentados nos circos de todo o mundo nesse período. Entretanto, vale aqui lembrar que o futebol masculino estava super na moda nas décadas de 20 e 30. Ou seja, não dava para os produtores artísticos simplesmente ignorarem o esporte que a cada dia se tornava mais popular.

No Brasil, em 1920, as primeiras tentativas de associação do futebol com o circo foi através de partidas protagonizadas por cachorros ou pequenas bicicletinhas dirigidas por palhaços.

O apelo à presença de torcedores e homenagens rendidas aos clubes de futebol em ascensão na época eram estratégias inteligentes adotadas pelas empresas e famílias circenses.

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O picadeiro, oval e envolto por arquibancadas, fazia alusão ao ambiente dos estádios brasileiros. O público, dividido e estimulado a torcer por um único vencedor, encontrava nos circos mais uma local de epifania e emoção nos seus momentos de diversão.

Apesar de nos reconhecermos como o país do futebol e imaginarmos essa ideia como algo própria dos brasileiros,  foi na Inglaterra e na Espanha, uma década antes, onde já se experimentavam o futebol dentro dos picadeiros sendo jogado por… moças!

Atrizes do Circo Nerino, década de 1920.

Football de Moças no circo

Pois é, a ideia não era exatamente original tupiquinim mas ainda não havia sido exibida nos circos do Brasil. Até que se prove o contrário, as primeiras exibições de artistas mulheres jogando bola sob as lonas aconteceu nas sessões do Circo Alcebíades, no Largo do Paissandu, em São Paulo, em 1926.

Mulheres jogando bola já eram referências encontradas em apresentações dos teatros de revista do Rio de Janeiro em 1921. Essas exibições, no entanto, aconteciam só dentro dos teatros mas já flertavam com os diferentes públicos torcedores cariocas.

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Em São Paulo, foi Abelardo Pinto, o conhecidíssimo palhaço Piolin, o idealizador e produtor desse espetáculo esportivo feminino. Entre as “atletas”, destacam-se filhas e esposas dos familiares circenses como Benedita França, esposa do Piolin, e integrantes do conhecido Circo Seyssel.

As atrizes vestiam-se com os uniformes dos clubes paulistas de origem popular ou menos aristocráticos, filiados à APEA (Associação Paulista dos Esportes Atléticos). O troféu do campeonato de futebol feminino, o “BEAUTIFUL”, de acordo com os jornais da época, ficava exposto na tenda de entrada do circo.

Piolin e seu irmão Faísca, igualmente palhaço, responsabilizavam-se pelos gols da partida e o entretenimento dos pagantes.

Público paulista antes de um sparring de boxe, 1930. Revista A Cigarra

Tudo junto e misturado

Pois é meu povo… foi nesse ambiente da diversão e da alegria que encontrei raros vestígios da historiografia do boxe e do futebol de mulheres do nosso país. Juntos e misturados.

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Nem tudo aconteceu sob os olhos das Ligas, Federações e campeonatos oficiais como comumente se pesquisa e se imagina. O cenário esportivo organizado que vislumbramos nos dias de hoje não foi algo dado de graça. Muitas disputas (inclusive de narrativas) aconteceram e ainda acontecem nos bastidores esportivos.

Mulheres foram proibidas de jogar futebol poucos anos depois dos episódios circenses, em 1941. Inclusive, as exibições nos circos foram usadas como argumento desqualificatório para confirmar que futebol não era adequado para moças “direitas”.

Já o boxe, apesar de sempre lutar contra a estigmatização pública, manteve-se com mais longevidade sob a tutela dos produtores artísticos como o palhaço Piolin. Até os anos de 1960, auge da modalidade no nosso país (Eder Jofre campeão mundial!), ainda havia reuniões pugilísticas organizadas pelo palhaço mais conhecido do Brasil.

Palhaço Piolin. Divulgação

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