Home Futebol A loucura de Marcelo Bielsa (PARTE I) – Do início no Newell’s Old Boys até a Seleção Argentina

A loucura de Marcelo Bielsa (PARTE I) – Do início no Newell’s Old Boys até a Seleção Argentina

Luiz Ferreira repassa a carreira de “El Loco” numa série de reportagens especiais na coluna PAPO TÁTICO; primeira parte traz o início de Bielsa nos Rojinegros e alguns dos conceitos do treinador argentino

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.
PUBLICIDADE

Marcelo Alberto Bielsa. Ou Marcelo “El Loco” Bielsa. O argentino está bem longe de ser um dos treinadores mais vitoriosos do futebol mundial, mas é um dos mais influentes e mais estudados do futebol nessas últimas décadas. Tido como um dos grandes últimos “românticos” do velho e rude esporte bretão, Bielsa deixou sua marca indelével em equipes como o Newell’s Old Boys, o Vélez Sarsfield, o Athletic Bilbao e também na Seleção Argentina nos seus mais de 30 anos de carreira. Admirado por nomes do calibre de um Pep Guardiola (que o chamou de “melhor treinador do mundo” em 2017), “El Loco” influenciou uma série de outros treinadores com suas ideias, seus conceitos e seus times rápidos, intensos e altamente ofensivos. O TORCEDORES.COM (através da coluna PAPO TÁTICO) inicia uma série de reportagens sobre a “loucura” de Marcelo Bielsa e seu impacto no futebol mundial.

Você conhece o canal do Torcedores no Youtube? Clique e se inscreva!
Siga o Torcedores também no Instagram

O jornalista inglês Jonathan Wilson conta no seminal “A Pirâmide Invertida” que Marcelo Bielsa tentou ser jogador de futebol, mas que sua formação era realmente acadêmica. Tentou a carreira como zagueiro no Newell’s Old Boys, clube da cidade de Rosário. Apesar do bom domínio de bola, era considerado lento e não era tão bom pelo alto. Estudou agronomia e educação física antes de se mudar para Buenos Aires para ser o treinador do time da universidade da capital portenha. Observou mais de três mil jogadores antes de escolher seu elenco de vinte atletas, já mostrando sua incrível dedicação e entrega ao trabalho. Marcelo Bielsa, já com sua filosofia básica formada por anos de estudo e recolhendo todo o material possível sobre futebol, assumiu o comando técnico da base do Newell’s Old Boys antes de substituir José Yudica na equipe profissional no ano de 1990.

Vale destacar aqui que, até o sucesso de Marcelo Bielsa no comando do Newell’s Old Boys com seu estilo único, o futebol argentino estava dividido entre os admiradores de César Menotti (treinador campeão da Copa do Mundo de 1978) e Carlos Bilardo (comandante do time campeão do Mundial de 1986). “Eu passei dezesseis anos da minha vida os ouvindo: oito ouvindo Menotti, um técnico que prioriza a inspiração, e oito ouvindo Bilardo, um técnico que prioriza a funcionalidade. E tentei tirar o melhor de cada um“, afirmou “El Loco” depois de de assumir o comando da Seleção Argentina em 1998. Quando ainda era treinador da base dos Rojinegros, Bielsa imaginou que havia jogadores no interior da Argentina que não eram observados pelos grandes clubes. Ele dividiu o mapa em 70 seções e visitou cada uma delas dirigindo quase 9 mil quilômetros com seu Fiat 147 por conta do medo de voar.

PUBLICIDADE

A filosofia de jogo defendida por Marcelo Bielsa (segundo o próprio) pode ser explicada em quatro termos: “concentración permanente” (concentração permanente), “movilidad” (mobilidade), “rotación” (rotação) e “repenitización”. Esse último termo (uma expressão clássica de “El Loco”) é o ato de reproduzir uma obra sem tê-la estudado anteriormente. Também é um dos conceitos centrais da sua filosofia: exigir que seus jogadores façam coisas pela primeira vez repetidamente. A defesa, por sua vez, era um ato de proatividade. A chave era recuperar a bola na posição mais alta possível do campo para evitar os ataques do adversário. “Enquanto o adversário tem a bola, todo time pressiona, sempre tentando interceptar a jogada o mais próximo do gol do oponente. Quando a recuperamos, tentamos jogar com dinamismo e criar espaços para a improvisação“, explicava Bielsa.

Os excelentes resultados conquistados na base do Newell’s Old Boys respaldaram a chegada de Marcelo Bielsa ao time principal dos “Leprosos”. Sua equipe-base jogava no 4-3-3 e já executava a ideia de pressão constante e velocidade quase insana pelos lados do campo. Os laterais Berizzo e Saldaña avançavam bastante, Llop ficava na proteção da zaga (quase como um líbero) formada por Gamboa e Pochettino (aquele mesmo que foi treinador do Tottenham por quatro temporadas). Mais à frente, “Tata” Martino (ex-técnico do Barcelona e da Seleção Argentina) e Dario Franco armavam as jogavas enquanto Julio Zamora e Ruffini davam profundidade ao ataque procurando o recém-chegado Ariel Boldrini. A mentalidade vencedora e a “polifuncionalidad” (a “versatilidade”) de todo aquele elenco seriam fundamentais na construção de uma das melhores equipes da história do Newell’s Old Boys.

Newell's Old Boys 1991 - Football tactics and formations

O Newell’s Old Boys campeão nacional em 1990/91 jogava com velocidade quase insana e aplicava bastante intensidade na marcação no campo do adversário. Tudo graças à mentalidade vencedora e a “polifuncionalidad” (a já mencionada “versatilidade”) tão defendidas por Marcelo Bielsa no comando dos “Leprosos”, seu time do coração.

PUBLICIDADE

O estopim para a arrancada do título de 1990/91 foi a vitória por 4 a 3 sobre o eterno rival Rosario Central em pleno Gigante de Arroyto. Na última rodada do Apertura (disputada no dia 22 de dezembro de 1990), um empate contra o San Lorenzo (em partida disputada no estádio do Ferro Carril Oeste) e uma vitória de 2 a 1 do Vélez Sarsfield sobre o River Plate (com gol de Ricardo Gareca nos últims minutos de jogo em pleno Monumental de Núñez) seriam suficientes para a conquista do tão sonhado título sintetizado com o grito eterno de Bielsa: “Newell’s Carajo! Newell’s Carajo!” No dia 9 de julho de 1991, o Newell’s Old Boys unificaria o título nacional depois de superar o sempre poderoso Boca Juniors em plena Bombonera. Os “rojinegros” ganhavam o país e as estratégias de “El Loco” eram tema de debate nos principais programas esportivos da época na Argentina.

O cansaço e a tensão da reta final do Apertura fizeram com que o Newell’s Old Boys conquistasse apenas seis vitórias no Clausura de 1991. Mas o fato é que os “Leprosos” também iniciaram mal a temporada 1991/92, vencendo apenas três partidas. A disputa do Clausura (já em 1992) começou com uma vitória por 2 a 0 sobre o Quilmes e com uma derrota acachapante de 6 a 0 para o San Lorenzo dentro de casa, em jogo válido pela Copa Libertadores da América. Completamente consternado, Marcelo Bielsa não questionava apenas a sua capacidade como treinador, mas estava procurando uma razão para que justificasse a filosofia que praticava no futebol e na própria vida. Sim, um pensamento bem filosófico. Mas que funcionaria perfeitamente para que “El Loco” mudasse para sempre a maneira com que o Newell’s Old Boys jogava. Mudanças extremamente profundas até no posicionamento dos atletas.

Alguns dos diagramas táticos que ilustraram a histórica edição da revista El Gráfico de 1992. A publicação apresentava os movimentos ofensivos e defensivos do campeão Newell’s Old Boys de Marcelo Bielsa, organizado a partir de um 3-4-3 (3-3-1-3). O trabalho de “El Loco” nos “Leprosos” foi um divisor de águas na Argentina. Foto: Reprodução / El Grafico.

PUBLICIDADE

Llop saiu do meio-campo e foi para a defesa, Gamboa virou líbero e Pochettino completava o setor. Eduardo Berizzo virou o primeiro volante da equipe, enquanto Saldaña e Berti fechavam a linha do meio-campo. Gerardo “Tata” Martino era o “enganche” fechando o losango. E o ataque contava com toda a velocidade dos ponteiros Zamora e Mendoza e com o poder de decisão de “Pajaro” Domizzi. Na prática, um 3-4-3 de grande intensidade e muita pressão no adversário e baseado no fato de que os jogadores deveriam assumir responsabilidades. “O que fazer se Berizzo está sozinho contra dois meio-campistas criativos? Llop deve avançar para a posição que Berti deixou, ou Saldaña vai para a posição de Berizzo, que ocupa o espaço de Berti. (…) As duas possibilidades são válidas e escolher uma delas fica a cargo do julgamento dos jogadores“, afirmava Bielsa.

A nova formação teve muito sucesso. O Newell’s Old Boys venceu quatro e empatou três dos seus sete jogos na fase de grupos da Libertadores de 1992, se garantindo nas oitavas de final. Eliminaram o Defensor Sporting do Uruguai e passaram pelo San Lorenzo com um placar agregado de 5 a 1 nas quartas de final. Após eliminarem o América de Cali nas semifinais, os “Leprosos” só seriam superados (e nas penalidades) pelo histórico São Paulo de Telê Santana na decisão. Já no Clausura, os comandados de Marcelo Bielsa fizeram uma campanha impecável: onze vitórias, sete empates e apenas uma derrota, com 27 gols marcados e apenas oito sofridos. E isso com direito a goleada por impressionantes 5 a 0 sobre o sempre poderoso River Plate em pleno Monumental de Núñez. Mais uma campanha histórica e mais um título de Marcelo Bielsa comandando o clube do seu coração.

A decisão da Libertadores de 1992 seria a última partida de Marcelo Bielsa como treinador do Newell’s Old Boys. “El Loco” foi para o México, onde comandou as categorias de base do Atlas de Guadalajara (onde revelou nomes como Rafa Marquez, Pável Pardo e Jared Borgetti) e o América, clube da capital mexicana. Retornaria à Argentina em 1997 para comandar o Vélez Sarsfield. A equipe de Liniers (bairro de Buenos Aires) já contava com a base vencedora comandada por Carlos Bianchi. Nomes como Chilavert, Mauricio Pellegrino, Raul Cardozo, Flavio Zandoná (aquele mesmo que ficou famoso por conta de um soco no atacante Edmundo quando este vestia a camisa do Flamengo) e Chrstian Bassedas seguiam em “El Fortín”. No entanto, Bielsa teria um certo trabalho para mudar a mentalidade do grupo, bastante acostumada ao estilo de jogo proposto por Carlos Bianchi.

Bielsa repetiu seu velho e conhecido 3-4-3 no Vélez Sarsfield e conquistou o Clausura de 1998 de maneira impressionante. Foram 14 vitórias, quatro empates e apenas uma única derrota, com 39 gols marcados e apenas 14 sofridos. A ideia de jogo se baseava na forte pressão exercida Christian Bassedas e Carlos Daniel “Lobo” Cordone e na superioridade numérica criada em vários setores do campo com triangulações constantes na linha de passe de “El Fortín”. Victor Sotomayor (o líbero), Mauricio Pellegrino e Flávio Zandoná formavam o trio defensivo com boa saída pelos lados do campo; Compagnucci protegia a zaga, Raul Cardozo e “El Turquito” Husain ficavam pelas laterais. Patricio Camps fazia o papel de “enganche” e Martin Posse comandava o ataque com rapidez, intensidade e muita dedicação. Este último seria o herói da conquista do Clausura ao marcar o gol da vitória sobe o Huracán.

PUBLICIDADE

Velez Sarsfield - Football tactics and formations

Marcelo Bielsa teve trabalho para implementar sua filosofia no Vélez Sarsfield. Mas as coisas fluíram perfeitamente quando o elenco comprou as suas ideias. O 3-4-3 de “El Loco” era intenso, veloz e com um volume de jogo impressionante. A campanha histórica no Clausura de 1998 é comentada até os dias atuais entre os torcedores do “El Fortín”.

A curta e vitoriosa passagem de Marcelo Bielsa no Vélez Sarsfield foi encerrada após um desentendimento com os figurões do elenco. Principalmente o goleiro paraguaio Chilavert. “Não podemos ter ninguém no elenco que ache que pode vencer jogos sozinho. (…) A chave é ocupar bem o campo, ter um time curto, com no máximo 25 metros da defesa ao ataque, e que a defesa não perca a concentração se alguém mudar de posição“. Os princípios (bem semelhantes ao do italiano Arrigo Sacchi) seguiam invioláveis. Após o título do Clausura de 1998, Bielsa recebeu um convite do Espanyol de Barcelona. No entanto, um outro convite mudaria essa história. José Pekerman, então diretor de seleções da AFA (a Asociación del Fútbol Argentino), convidava “El Loco” para assumir a Seleção da Argentina nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002. Vamos contar essa história na segunda parte do nosso especial.

FONTES DE PESQUISA:

PUBLICIDADE

Blog Painel Tático: Marcelo Bielsa, o grande treinador de técnicos do futebol
Blog Futebol Argentino: Influências de Bielsa na La U de Sampaoli
Dossiê Bielsa: balada para um louco (CENTRAL3)
RSSSF Internacional
A Pirâmide Invertida, por Jonathan Wilson (Editora Grande Área)

LEIA MAIS:

Estádio em homenagem a Bielsa, Trezeguet e Maradona: como é o clube que Messi sonha encerrar a carreira

Acusado de racismo por Neymar, zagueiro do Olympique se defende e afirma: “não existe espaço para racismo”

PUBLICIDADE