Home Futebol Miguel Ángel Ramírez e o “jogo de posição”: entenda de uma vez por todas no que consiste essa filosofia tática

Miguel Ángel Ramírez e o “jogo de posição”: entenda de uma vez por todas no que consiste essa filosofia tática

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira explica como funciona essa forma de compreender o futebol e como o técnico do Internacional deve aplicá-la

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

Já foi possível ver alguns conceitos de Miguel Ángel Ramírez sendo colocados em prática na vitória do Internacional sobre o Ypiranga no último domingo (14). Ainda sem estar regularizado, o técnico espanhol foi visto várias vezes orientando Osmar Loss e seus demais auxiliares próximo ao banco de reservas, atitude que já foi alvo de denúncia no TJD-RS. Seja como for, a filosofia tática adotada por Miguel Ángel Ramírez deve ser tema de debate no futebol brasileiro muito em breve. Trata-se do “jogo de posição”. Você deve ter ouvido falar muito sobre isso quando Jorge Sampaoli e Domènec Torrent ainda eram os treinadores de Santos, Atlético-MG e Flamengo. Este que escreve aborda novamente o assunto com o objetivo claro de desmistificar muitas coisas faladas nos nossos principais programas esportivos e tentar diminuir um pouco a confusão em cima dessa filosofia de jogo adotada pelo técnico do Internacional.

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Este que escreve já abordou o assunto numa série de cinco reportagens especiais durante os meses de agosto e setembro do ano passado. A origem do “jogo de posição” vem do “passing game” utilizados pelos escoceses nos primórdios do futebol numa resposta ao “kick and rush” usado pelos ingleses e ganhou o mundo a partir do Barcelona com Johan Cruyff e depois com Pep Guardiola. Para relembrar, é so acessar os links abaixo.

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Entendendo o jogo de posição (PARTE I) – Origens e conceitos
Entendendo o jogo de posição (PARTE II) – Johan Cruyff, Louis van Gaal e a revolução do Barcelona
Entendendo o jogo de posição (PARTE III) – O auge da filosofia com Pep Guardiola e a tal da pirâmide invertida
Entendendo o jogo de posição (PARTE IV) – Os conceitos de Jorge Sampaoli aplicados num ofensivo e envolvente Atlético-MG
Entendendo o jogo de posição (PARTE V) – O choque de filosofias no Flamengo de Domènec Torrent

Para se compreender melhor a filosofia adotada por Miguel Ángel Ramírez, é preciso entender que a palavra “filosofia” não está sendo usada por acaso. O “jogo de posição” é tratado como se fosse um modo de enxergar as coisas diferente do usual. É quase um novo idioma. Não se trata apenas de trocar passes a esmo. Tudo gira em torno da POSIÇÃO DA BOLA. Portanto, esqueça aquelas análises que afirmam que o “jogo de posição” deixa os jogadores estáticos e presos em campo. É muito mais que isso. Tudo se divide em três partes: onde a bola está; marque os espaços a partir da posição da bola; entender quais vantagens cada jogador deve gerar. Na prática, uma vez definida a posição da bola, a equipe picota o campo em três círculos. Esses são os “espaços de fase” e mudam de lugar conforme a posição da bola. Esses círculos não são prisões. São guias para cada jogador entender o que deve ser feito.

O Independiente del Valle de Miguel Ángel Ramírez é um bom exemplo de execução do “jogo de posição” com bastante eficácia. No frame acima vemos os jogadores se organizando a partir da posição da bola conforme falado anteriormente. Tudo gira em torno da posição da redondinha. Foto: Reprodução / YouTube / ESPN Brasil & FOX Sports

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Se a bola mudou de lugar, esses “espaços de fase” também mudam. É por isso que o “jogo de posição” jamais vai travar os jogadores. Quando bem executado, ele torna os times extremamente móveis dentro de campo. Não se esqueça de que a bola se move o tempo todo durante as partidas. E conforme você viu acima, cada “espaço de fase” tem um nome específico:

  • Espaço de intervenção => espaço onde a bola está;
  • Espaço de ajuda mútua => espaço perto da bola;
  • Espaço de cooperação => demais espaços distantes da bola.

A ideia aqui é identificar o espaço em que o jogador está e só a partir daí ele escolhe seus movimentos. Ele pode se aproximar ou esperar num espaço vazio. É muito mais simples do que parece! Tudo consiste em atrair o adversário, fixar ou prender os marcadores num setor, arrastar esse marcador e levá-lo para outro lugar do campo e encontrar quem está desmarcado. Esse é o “homem livre”. É por isso que o “jogo de posição” não existe sem o adversário. É uma forma de gerar vantagem numérica e também explica a preferência que os adeptos dessa filosofia possuem pela saída pelo chão e, inclusive, com a participação do goleiro. Não é feito porque é bonito. Esse processo tem objetivos bem claros: atrair o rival para um lado para deixar o outro desprotegido, fixar marcadores num ponto para achar os “homens livres” em outro. E a busca pelo “homem livre” é a chave do “jogo de posição”.

Jogadores do Independiente del Valle atraem jogadores do Flamengo para um determinado espaço do campo gerando superioridade numérica. Automaticamente, outros espaços surgem em setores do campo. Os jogadores se posicionam para se transformarem nos “homens livres”. É isso! Foto: Reprodução / YouTube / ESPN Brasil & FOX Sports

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Mas quem é o “homem livre”? Viu os jogadores que estão livres de marcação? Esses são os “homens livres”. E no “jogo de posição”, eles DEVEM SEMPRE receber a bola. Logo, não se trata de um jogador fixo. Ele pode ser um zagueiro, um lateral, um atacante ou até o goleiro. Tudo varia dependendo da situação do jogo ou do local onde a bola está. E a divisão no campo é feita para que mais “homens livres” vão surgindo. Esse processo é repetido até a bola chegar no ataque, que se movimenta até marcar o gol. Tudo é pautado por uma coisa chamada “intencionalidade”. A intenção do passe deve comandar o movimento dos outros jogadores. Se alguém passa a bola para um companheiro de equipe e corre para um espaço vazio, quem está na zona mútua deve atrair, fixar ou arrastar os marcadores e quem tem a bola deve procurar o companheiro de equipe que está “livre” de marcação. É muito mais simples do que parece.

É por isso que essa filosofia demanda tempo, paciência e dedicação para ser aplicada. Além de combater os preconceitos de comentaristas que classificam o “jogo de posição” como algo que trava os jogadores no campo. Imagine todo esse processo acontecendo durante 60 minutos de bola rolando durante uma partida. O que não é difícil de ser compreendido na teoria, acaba gerando obstáculos na prática justamente pelo nosso comportamento mais egoísta. Vivemos num tempo em que o estudo, o aprimoramento e o talento são abertamente criticados (não se esqueçam de que também temos terraplanistas no futebol) e que pouco entende o lado do outro. E o “jogo de posição” consiste justamente nisso. A vantagem gerada em campo também é sócio-afetiva também. Gerar conexões emocionais. Não é por acaso que Miguel Ángel Ramírez também falou em se divertir dentro de campo na sua apresentação no Internacional.

É um processo que demanda tempo, paciência e boa vontade. É como se os jogadores do Internacional fossem aprender um “novo idioma”. Embora Miguel Ángel Ramírez não tenha sido regularizado a tempo de estar no banco de reservas na partida contra o Ypiranga (pelo Gauchão), já foi possível notar no escrete colorado alguns dos conceitos do “jogo de posição” na organização dos jogadores em campo com e sem a posse da bola. Aliás, é preciso destacar essa questão mais uma vez. Os movimentos feitos pelos atletas levam em consideração a posição da bola. Isso é fundamental para se compreender o que Miguel Ángel Ramírez pretende fazer no comando do Internacional. A posse não serve apenas para atacar o adversário. Serve também para se defender. Como a equipe oponente vai atacar o seu time se ela não tem a bola? Tudo funciona como uma engrenagem. Tudo está ligado no “jogo de posição”.

O lance do gol marcado por Yuri Alberto (o primeiro da vitória por 4 a 2 sobre o Ypiranga na quarta rodada do Gauchão) é um bom exemplo dessa movimentação constante do “jogo de posição” adotado por Miguel Ángel Ramírez no Internacional. Rodinei recebe a bola na lateral e tem a companhia de Edenílson, Praxedes e Nonato. Note bem que os meio-campistas escolhidos para a partida são jogadores com ótimo trato no passe e boa visão de jogo. O camisa 2 colorado vê o espaço vazio e carrega a bola a partir do momento em que seus companheiros de equipe (principalmente os “pontas” Marcos Guilherme e Peglow) arrastam os marcadores do Ypiranga para outra faixa do campo. Isso faz com que a defesa adversária abra o espaço para onde Yuri Alberto se desloca (olha o tão falado “homem livre” aí). Rodinei faz o cruzamento para o camisa 11 ajeitar, chutar cruzado e abrir o marcador no Beira-Rio.

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Rodinei avança com a bola, meio-campistas se aproximam, pontas arrastam os marcadores e abrem o espaço para onde Yuri Alberto se desloca. O “homem livre” recebe a bola com tempo para ajeitar o corpo e chutar cruzado. É isso que Miguel Ángel Ramírez quer do Internacional. Foto: Reprodução / Premiere

O mesmo processo pode ser observado na saída de bola do Internacional. O goleiro Danilo Fernandes recebe a bola e recebe a companhia dos zagueiros Zé Gabriel e Victor Cuesta. Ao mesmo tempo, três jogadores do Ypiranga se aproximam para dar o comabte e tentar recuperar a posse da bola. O que acontece? Edenílson se aproxima para dar opção de passe e gerar SUPERIORIDADE NUMÉRICA. Ao mesmo tempo, os laterais Heitor e Moisés também aparecem pelos lados para seguir o mesmo processo. Tudo é feito seguindo os “espaços de fase” que mencionamos anteriormente. Três contra três não é vantagem numérica. O que o time do Internacional faz? Se movimenta e dá opção de passe. O “jogo de posição” é uma filosofia de mobilidade total em todos os setores do campo. Simples assim. Nem é preciso desenhar os círculos para identificar os “espaços de fase” presentes na filosofia adotada por Miguel Ángel Ramírez.

Danilo Fernandes tem a bola e percebe a aproximação de três jogadores do Ypiranga. Rapidamente Edenílson, Heitor e Moisés se aproximam para gerar opções de passe e superioridade numérica no setor. O “jogo de posição” consiste nessa mobilidade e nessa ajuda mútua em todos os setores. Foto: Reprodução / Premiere

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A filosofia tática adotada por Miguel Ángel Ramírez não é melhor nem pior do que o “Gegenpressing” adotado por Jürgen Klopp no Borussia Dortmund e no Liverpool, o estilo mais pragmático e vertical de José Mourinho no Tottenham ou a forte marcação e compactação defensiva de Diego Simeone no Atlético de Madrid. São maneiras diferentes de se enxergar e entender o velho e rude esporte bretão. A ideia aqui não é apostar qual é a melhor. O futebol é de todos e quem dita como o jogo deve ser jogado dentro de campo são os treinadores e os atletas. Ponto final! Não é proibido ter preferência por este ou aquele estilo e/ou filosofia, sendo que todas elas se resumem numa coisa: encontrar o jeito mais rápido e eficaz de levar a bola ao ataque e fazer mais gols do que seu adversário. Parafraseando Lulu Santos, consideramos justa toda forma de jogar o velho e rude esporte bretão. O resto é festa.

Mas cada processo demanda tempo de compreensão mútua e de aprendizado. Com o Internacional e o “jogo de posição” que já vem sendo adotado por Miguel Ángel Ramírez não será diferente. Por mais que se note uma mudança de postura na diretoria colorada e uma vontade de se pensar a longo prazo, este que escreve prefere aguardar um pouco para ver se esse discurso será defendido quando os maus resultados (naturais desse processo) aparecerem. Não podemos esquecer do contexto imposto pela pandemia de COVID-19. Tempo e paciência serão fundamentais.

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