Home Futebol Ceará vence o Fluminense e prova que saber se defender é uma das artes mais incompreendidas do futebol

Ceará vence o Fluminense e prova que saber se defender é uma das artes mais incompreendidas do futebol

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira explica como a expulsão de Gabriel Dias condicionou as escolhas e as estratégias de Tiago Nunes e Marcão

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

Um dos pontos que mais gera polêmica nas discussões o velho e rude esporte bretão hoje em dia está no uso de retrancas e na adoção de posturas mais conservadoras. É o que se convencionou chamar de “jogar por uma bola”. No entanto, a grande maioria parece se esquecer de que futebol é contexto e que nada acontece por acaso. Tudo tem uma razão de ser, um motivo, uma razão ou uma circunstância. Tomemos a vitória do Ceará sobre o Fluminense como exemplo. O Vozão abriu o placar logo aos seis minutos de jogo com Vina convertendo penalidade de Nino em cima de Jael. Pouco depois, com a expulsão (justa) de Gabriel Dias após entrada dura em cima de Marlon, o escrete comandado por Tiago Nunes se fechou na defesa e simplesmente não deixou o time de Marcão criar chances. Por mais que a retranca seja considerada o “patinho feio” das estratégias, saber se defender também é uma arte e uma das mais incompreendidas do futebol atual. Se o Ceará saiu de campo vitorioso, muito se deve ao seu sistema defensivo.

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É bom que se diga que o gol marcado logo no início de partida e a expulsão de Gabriel Dias pouco depois da metade da primeira etapa condicionaram tudo o que veio depois na partida deste domingo (31), na Arena Castelão. Tiago Nunes (que havia apostado num 4-2-3-1 de muita mobilidade do trio de meias e com as boas chegadas de Fernando Sobral ao ataque) teve que sacar Jael para a entrada de Igor com o claro objetivo de fechar a última linha de defesa do Ceará. Diante de um 4-4-1 bem compactado (que tinha Vina no comando de ataque servindo os velozes Mendoza e Erick), o Fluminense pouco pôde fazer já que pouco se movimentava e abusava da lentidão na troca de passes na frente da área. Por mais que André fizesse bem sua função na distribuição do jogo e na saída de bola, faltava intensidade ao escrete tricolor. Principalmente quando a equipe das Laranjeiras chegava na intermediária. Luiz Henrique, Caio Paulista, Abel Hernández simplesmente “aceitaram” a marcação adversária e pouco fizeram em campo.

Tiago Nunes organizou o Ceará num 4-4-1 que tinha Vina jogando como referência móvel, Mendoza e Erick buscando o espaços às costas de Samuel Xavier e Marlon e muita marcação na frente da área. O Fluminense simplesmente não conseguia encontrar meios de chegar ao gol defendido por João Ricardo e abusou da lentidão na troca de passes.

Do outro lado, o Fluminense mostrava muitas dificuldades para impor seu estilo de jogo. Não somente pela ótima atuação do sistema defensivo do Ceará, mas por todo o conjunto da obra que envolvia a péssima tarde de Luiz Henrique e Caio Paulista (muito mal nas tomadas de decisão e afobados demais quando tinham a posse da bola), a insegurança de Martinelli na distribuição do jogo e a maneira como Jhon Arias foi “engolido” por Fabinho e Fernando Sobral no meio-campo. As únicas saídas do escrete comandado por Marcão estavam nas laterais. Samuel Xavier e Marlon chegavam com frequência ao ataque, mas assim que Tiago Nunes acertou o posicionamento dos seus jogadores, o Vozão se impôs na Arena Castelão. Além disso, Vina mostrou mais uma vez por que é o jogador mais importante do Ceará desde o ano passado. Enquanto teve fôlego, o camisa 29 foi importantíssimo na distribuição do jogo no meio-campo e ainda foi tormento constante para Nino e David Braz quando foi jogar como referência móvel no ataque. Mais uma grande atuação.

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O Fluminense voltou para o segundo tempo com Fred e Gustavo Apis nos lugares de Caio Paulista e André. Com substituições, o Tricolor das Laranjeiras mudava para um 4-4-2 que dava mais profundidade e explorava as bolas aéreas para Fred e Abel Hernández. No entanto, o escrete comandado por Marcão só conseguia levar perigo real quando acelerava as jogadas pelos lados do campo. O Ceará, por sua vez, explorava bem os espaços que surgiam entre o meio-campo e a defesa e encaixou bons contra-ataques com Mendonza, Fernando Sobral e Vina. Isso até Tiago Nunes radicalizar de vez com a entrada de Gabriel Lacerda no lugar de Erick e a adoção de um 5-3-1 que mais lembrava um ônibus estacionado na frente da área. E é nesse ponto que mora a beleza de uma retranca bem organizada. Ao contrário do que muitos podem achar, o Vozão não abriu mão do ataque. Apenas se adequou ao contexto da partida e jogou de acordo com suas possibilidades. Vitória justa que premia equipe que melhor executou sua proposta de jogo.

Marcão empilhou atacantes no Fluminense, mas não conseguiu fazer sua equipe superar o 5-3-1 montado por Tiago Nunes na frente da área de um Ceará que não abriu mão do ataque mesmo com um jogador a menos. Nesse ponto, Rick e Gabriel Santos ainda conseguiram levar perigo ao gol de Marcos Felipe mais para o final da partida.

Ao contrário do que muita gente pensa, existe sim beleza na retranca e num sistema defensivo mais organizado e compactado. Não aquele que denota e escancara o jogo monotemático de alguns treinadores mais famosos do nosso futebol atual, mas aquele que se se adapta ao contexto de um jogo e que não permite que uma equipe abra mão do ataque. Exatamente como fez o Ceará de Tiago Nunes numa vitória importantíssima contra um Fluminense sem criatividade e sem muita inspiração no jogo deste domingo (31). Ainda que o escrete comandado por Marcão tenha balançado as redes com Lucca (em lance anulado pelo VAR) e levado perigo com Bobadilla nos acréscimos, fica a certeza de que Fred e companhia poderiam ter feito muito mais do que apenas levantar bolas na área a partir da intermediária contra um “ônibus” estacionado na frente dela. Ficou claro que faltaram ideias para superar a marcação do time da casa e organização ofensiva para que o futebol de Fred pudesse ser potencializado da melhor forma num Fluminense meio perdido em campo.

Saber se defender é uma das artes mais incompreendidas do velho e rude esporte bretão. É preciso ter cuidado para não confundir o bom funcionamento de um sistema defensivo com a pura e simples retranca adotada por uns e outros. Tiago Nunes conseguiu fazer com que o Ceará marcasse e fechasse espaços sem abdicar do ataque. Nesse ponto, o Vozão foi preciso em cada movimento e esteve bastante concentrado nos espaços que apareceram no campo ofensivo. Destaque para Vina, Erick, Fernando Sobral e (principalmente) Fabinho.

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