Home Futebol Virada da Dinamarca sobre a França comprova o óbvio: nenhuma seleção pode ser subestimada

Virada da Dinamarca sobre a França comprova o óbvio: nenhuma seleção pode ser subestimada

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa a partida desta sexta-feira (3) e as escolhas de Didier Deschamps e Kasper Hjulmand

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

A primeira rodada da fase de grupos da Liga das Nações foi recheada de resultados que podem soar surpreendentes para todos aqueles que não têm o hábito de acompanhar o futebol jogado no Velho Continente. Goleada da Holanda sobre a Bélgica em Bruxelas, vitória da Áustria em cima da Croácia na casa da atual vice-campeã mundial e virada justa da Dinamarca sobre a poderosa e sempre favorita França (atual campeã da Copa do Mundo e da UEFA Nations League) em pleno Stade de France. Antes de falarmos em “zebras” é preciso observar o contexto de cada jogo e de cada seleção. Mas a grande lição que fica é a mais óbvia possível: nenhuma seleção pode ser subestimada e/ou superestimada nessa reta final de preparação para o Mundial do Catar. A máxima “não tem mais bobo no futebol” nunca fez tanto sentido.

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Fato é que a França sentiu isso na pele com a derrota (justa) nesta sexta-feira (3) dentro de seus domínios (onde não perdia desde 2013). Por mais que o favoritismo estivesse com a equipe comandada por Didier Deschamps, a Dinamarca merecia atenção e cautela mesmo sendo considerada uma “carne assada” por alguns colegas de imprensa. Apenas imaginem a Seleção Brasileira perdendo em casa de virada para o escrete de Kasper Hjulmand, Eriksen, Höjbjerg e Corneluis. Não é difícil imaginar as redes sociais e as principais mesas redondas do país sendo tomadas pelo ódio desenfreado e por bravatas sentido de quem ainda enxerga o futebol com os mesmos olhos de vinte, trinta ou quarenta anos atrás.

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O jogo é jogado e o lambari é pescado. É muito difícil fugir disso quando o assunto é o velho e rude esporte bretão. É por conta dessa máxima tão esquecida que muita gente se surpreendeu com o ímpeto da Dinamarca contra a França em Saint-Denis. O técnico Kasper Hjulmand apostou num 3-4-2-1 bem compactado e que explorava bem o espaço entrelinhas com Eriksen saindo da esquerda para o meio e com Skov Olsen forçando pela direita. Os alas Daniel Wass e Maehle apareciam no ataque como pontas e o ótimo Höjbjerg distribuía bem o jogo. Tudo para conter o 3-4-1-2 de Didier Deschamps e as investidas de Mbappé e Benzema pra cima da linha de cinco dinamarquesa. O jogo foi muito mais equilibrado do que o esperado.

Formação inicial das duas equipes no Stade de France. Didier Deschamps mandou a França a campo num 3-4-1-2 com Griezmann como “enganche” e Kasper Hjulmand apostou num 3-4-2-1 bem compactado e de saída rápida para os contra-ataques.

O que eu e você vimos no Stade de France foi uma partida equilibrada e bem disputada. E é interessante notar que a França tentava chegar no ataque usando os mesmos recursos e estratégias do seu adversários. Coman e Theo Hernández espetados como pontas, Benzema e Mbappé arrastando a defesa para trás e Griezmann aparecendo na entrelinha. O único porém do escrete comandado por Didier Deschamps estava na recomposição. Por mais que os alas voltassem para formar a linha de cinco e Tchouaméni e Kanté protegessem bem a entrada da área, a impressão que ficava era a de que o time francês concedia campo demais para a Dinamarca. Não foram poucas as vezes em que Eriksen teve tempo e espaço para trabalhar a bola na intermediária e acionar Skov Olsen e seus demais companheiros pelos lados do campo.

Daniel Wass recebe a bola na direita com certa liberdade e faz o cruzamento buscando Dolberg. Ao mesmo tempo, Höjbjerg e Maehle se apresentavam mais por dentro e davam opção de passe na entrada da área. Foto: Reprodução / YouTube / ESPN Brasil

É interessante notar que a França estava organizada e bem postada na defesa apesar da marcação mais frouxa em determinados momentos. Principalmente pelo lado esquerdo, onde os irmãos Theo e Lucas Hernández encontravam algumas dificuldades para conter os velozes Skov Olsen e Daniel Wass. Além disso, o escrete de Didier Deschamps apresentava uma certa dificuldade na marcação mais por dentro e nas bolas enfiadas às costas da última linha. A saída de Varane (lesionado) logo depois do golaço de Benzema piorou ainda mais esse cenário. O escrete francês manteve a estrutura do 3-4-1-2 mesmo com a entrada de Nkunku no lugar de Mbappé (também lesionado) e Coman se comportando mais como ponta pela direita do que efetivamente um ala (como aconteceu no primeiro tempo). Com isso, Koundé se comportava mais como um lateral de ofício pelo lado direito.

O técnico Kasper Hjulmand mandou Damsgaard e Corneluis para o jogo logo depois da saída de Varane com o claro objetivo de explorar os espaços que a linha de cinco defensores da França concedia. Aos 22 minutos, Höjbjerg encontrou o camisa 21 infiltrando no espaço entre os irmãos Hernández no lance que originou o gol de empate da Dinamarca num lance em que todo o sistema defensivo deu todo o tempo do mundo para o jogador do Tottenham fazer o lançamento. E vale destacar também que a entrada de Rabiot no lugar de Griezmann (e a passagem definitiva do 3-4-1-2 para o 4-3-3) desprotegeu ainda mais o meio-campo francês. O castigo definitivo viria aos 42 minutos do segundo tempo com mais uma bola lançada às costas da defesa. Cornelius dominou, se livrou da marcação e estufou as redes de Lloris.

Cornelius entrou no jogo para explorar a marcação mais frouxa e os espaços às costas da última linha de defesa francesa. Didier Deschamps não conseguiu resolver esse problema com as mexidas no segundo tempo. Foto: Reprodução / YouTube / ESPN Brasil

Conforme mencionado anteriormente, nenhuma seleção pode ser subestimada ou superestimada nesses meses que antecedem a preparação para a Copa do Mundo. Mas é interessante ver como o discurso de alguns colegas de imprensa muda dependendo de quem está (ou não) em campo. Não se trata apenas do resultado em si, mas da maneira como eles foram construídos e de todo o contexto. Ao mesmo tempo, equipes como Holanda, Dinamarca, Sérvia e outras menos badaladas vêm sim fortes para o Mundial e merecem respeito e reconhecimento pelo futebol que vêm apresentando nesses últimos meses. Por mais que a postura das grandes seleções vá ser muito diferente no final do ano, as derrotas de França, Croácia e Bélgica (justo as três primeiras colocadas na última Copa do Mundo) servem de lição para quem almeja o título.

A única certeza é de que ainda tem muita água pra correr debaixo dessa ponte e muita coisa pra acontecer até o final do ano. Até lá, pode ser que aconteça tudo, inclusive nada (como diz aquela famosa canção). É por isso que a virada da Dinamarca sobre a França serve de aprendizado para a Seleção Brasileira. Não subestimar seu adversário e entender que absolutamente ninguém é invencível são pontos fundamentais para ser vencedor nesse velho e rude esporte bretão.