Home Futebol Correção de rota e necessidade de tempo: a análise da vitória da seleção feminina sobre o Japão

Correção de rota e necessidade de tempo: a análise da vitória da seleção feminina sobre o Japão

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca as escolhas de Arthur Elias e a atuação do Brasil no jogo de quinta-feira (30)

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.
Correção de rota e necessidade de tempo: a análise da vitória da seleção feminina sobre o Japão

Nayra Halm / Staff Images Woman / CBF

A vitória da Seleção Feminina no jogo maluco contra o Japão pode ser analisada de várias maneiras. Mas não importa o ponto de partida. Tudo nos leva à correção da rota feita por Arthur Elias depois do intervalo da partida desta quinta-feira (30) e à clara necessidade de tempo para que todo o elenco assimile e execute seu estilo de jogo com mais precisão. Para jogadoras como Gabi Portilho, Luana, Duda Sampaio e Adriana, o período sob o comando do treinador brasileiro no Corinthians ajuda bastante nesse processo. Já o restante do time deixou a impressão de que ainda não se sente tão à vontade em campo. E isso explica as mudanças feitas no segundo tempo.

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Certo é que Arthur Elias fez algumas ressalvas que podem nos ajudar a entender o que ele deseja da Seleção Feminina durante a entrevista coletiva concedida na Neo Química Arena após o jogo. “Considerei muito equilibrado. O que gostei foi o que tenho tentado trabalhar com esse grupo, de elas acreditarem até o fim. Acho que é uma característica importante. (…) Questão tática e psicológica a gente tem a melhorar. A equipe sentiu o segundo gol. Falei no treino que a gente precisa lidar melhor com esses momentos, saber explorar o potencial de cada um. A gente não pode deixar um placar de três escapar. A gente não pode sentir tanto quanto a equipe sentiu”.

Quem acompanhou o trabalho de Arthur Elias no Corinthians nesses últimos anos sabe que ele é um técnico que tem preferência por equipes agressivas no ataque e que aplicam muita intensidade na marcação. A opção pelo 4-4-2/4-2-4 que eu e você vimos muitas vezes no Timão reforça essa ideia. No entanto, faltava coordenação nos movimentos e mais ajuda por parte do quarteto ofensivo na recomposição. Gabi Portilho ficava mais à frente (próxima de Gabi Nunes) enquanto que Bia Zaneratto e Debinha tinham a missão de se juntar a Ary Borges e Júlia Bianchi. O que se via em campo era um Brasil que se defendia com sete jogadoras e que sofria demais com o ataque nipônico.

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A Seleção Feminina teve muitos problemas de ordem defensiva. Riko Ukei e Yiu Hasegawa encontraram facilidade para circular no espaço entrelinhas. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
A Seleção Feminina teve muitos problemas de ordem defensiva. Riko Ukei e Yiu Hasegawa encontraram facilidade para circular no espaço entrelinhas. Foto: Reprodução / TV Globo / GE

A regra é simples. Se sua equipe não preenche os espaços e não vence duelos, seu adversário vai controlar o jogo. E foi isso que aconteceu no primeiro tempo. A equipe comandada por Futoshi Ikeda circulava a bola em velocidade e tinha superioridade numérica em vários setores do campo. O primeiro gol do Japão é um bom exemplo disso. O início o lance nos mostra Hinata Miyazawa escapando às costas de Bruninha e encontrando Hasegawa livre dentro da área. Esta apenas escorou para Aoba Fujino estufar as redes da goleira Lelê. E tudo isso com o ataque nipônico tendo muito espaço e muita facilidade para arrastar a última linha de defesa brasileira para a linha de fundo.

Miyazawa aparece às costas de Bruninha e inicia a jogada do gol de Fujino. Os problemas de recomposição do meio-campo brasileiro apareceram. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
Miyazawa aparece às costas de Bruninha e inicia a jogada do gol de Fujino. Os problemas de recomposição do meio-campo brasileiro apareceram. Foto: Reprodução / TV Globo / GE

Bia Zaneratto conseguiu reduzir os danos com um belo gol de falta aos 41 minutos da primeira etapa. Mas fato é que a Seleção Feminina não jogava bem. E não foi por acaso que Arthur Elias resolveu agir. Ele sacou Gabi Nunes, Ary Borges e Júlia Bianchi para as entradas de Priscila, Duda Sampaio e Luana respectivamente. Com mais velocidade na frente e jogadoras mais acostumadas com seu modelo de jogo, o Brasil começou a valorizar mais a posse e ganhou mais organização no meio-campo. Isso explica o bloco de marcação mais baixo do que no primeiro tempo.

Essa postura mais conservadora (na visão de alguns) potencializou o futebol de Gabi Portilho, que teve espaço para arrancar desde o campo brasileiro e marcar o gol da virada aos 16 minutos da segunda etapa. Ao invés de um 4-2-4 com marcação alta, Arthur Elias teve uma bela sacada ao posicionar Bia Zaneratto como “camisa 10” logo atrás de Priscila num 4-4-1-1 mais organizado na defesa e com espaço para partir na direção da área japonesa. O gol da “Imperatriz” (o terceiro da Seleção Feminina) nasce justamente de roubada de bola feita na intermediária adversária.

O Brasil melhorou seu desempenho jogando num 4-4-1-1 com Gabi Portilho e Debinha pelas pontas e Bia Zaneratto como "camisa 10" na segunda etapa. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
O Brasil melhorou seu desempenho jogando num 4-4-1-1 com Gabi Portilho e Debinha pelas pontas e Bia Zaneratto como “camisa 10” na segunda etapa. Foto: Reprodução / TV Globo / GE

Mas nem tudo são flores. Bruninha deixou o campo lesionada e deu lugar a Angelina (com Luana indo para a lateral). Conforme o próprio Arthur Elias falou na entrevista coletiva, a penalidade cometida por Angelina mexeu muito com toda a Seleção Feminina. A organização adquirida no começo do segundo tempo acabou dando lugar para as tomadas de decisão erradas e o time ficou mais afobado com as entradas de Marta e Adriana. Com isso, a equipe brasileira voltou a conceder espaços generosos no seu meio-campo. Exatamente como na escapada de Risa Shimizu às costas de Tamires (em belo lançamento de Hasegawa) e na finalização de Mina Tanaka entre as zagueiras Lauren e Rafaelle.

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Debinha não fecha seu lado, Tamires não acompanha e Shimizu aparece pela direita para fazer o cruzamento que Mina tanaka completou para as redes. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
Debinha não fecha seu lado, Tamires não acompanha e Shimizu aparece pela direita para fazer o cruzamento que Mina Tanaka completou para as redes. Foto: Reprodução / TV Globo / GE

A estrela de Priscila brilhou mais forte aos 52 minutos da segunda etapa, com belo chute no ângulo da goleira Chika Hirao. A vitória diante do forte adversário na Neo Química Arena, no entanto, não esconde os problemas que Arthur Elias ainda precisa resolver na Seleção Feminina. De fato, o tempo ainda é muito curto para análises mais profundas, visto que estamos apenas no terceiro jogo desse novo ciclo. Por outro lado, o treinador do escrete canarinho já começa a obter algumas conclusões. A mais óbvia delas (na opinião deste que escreve) está no fato de que seu estilo mais agressivo de jogo precisa ser executado por jogadoras que vençam duelos e que joguem com muita intensidade.

Isso, por si só, já exclui algumas jogadoras que vinham fazendo parte dos últimos ciclos, seja pela idade ou pela impossibilidade de manter essa pegada exigida por Arthur Elias. O momento de arriscar e de fazer testes na Seleção Feminina (apesar do ciclo mais curto) é esse. Corrigir a rota enquanto ainda há tempo para tal é o caminho para que a equipe brasileira mantenha a competitividade em níveis altos para continuar sonhando alto. Principalmente com uma medalha olímpica em Paris 2024, grande objetivo dessa comissão técnica.