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Messi, Zidane e a busca pelo camisa dez: ele deixou de existir, mudou de lugar ou se adaptou ao contexto?

Em reportagem especial para o TORCEDORES, Luiz Ferreira explica o que aconteceu com a posição mais clássica do futebol

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.
Messi, Zidane e a busca pelo camisa dez: ele deixou de existir, mudou de lugar ou se adaptou ao contexto?

Reprodução / YouTube / Adidas Football

Você deve ter visto o diálogo entre Zinedine Zidane e Lionel Messi, dois dos maiores camisas dez da história do futebol, em encontro promovido pela Adidas na última semana. Mais do que repassar alguns dos grandes momentos do velho e rude esporte bretão no século XX, os dois gênios revisitaram um tema ainda bastante presente nas nossas mesas de debate: o que aconteceu com o camisa dez? Para Messi e Zidane, o tal “enganche” (o jogador que joga atrás dos atacantes num 4-1-3-2 ou num 3-4-1-2) está praticamente extinto por conta das mudanças ocorridas no futebol nas últimas décadas. Mas até onde isso é verdade? O camisa dez clássico realmente sumiu dos gramados? É o que vamos descobrir.

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Antes de mais nada, é preciso entender que a discussão sobre o número mais pesado do futebol traz consigo uma boa dose de saudosismo. Quem não lembra de algum camisa dez histórico? Zico, Maradona, Ronaldinho Gaúcho, os já citados Zidane e Messi, Riquelme, Matthäus, Enzo Francescoli, Rivaldo, Gullit, Roberto Baggio… Todos eles nos remetem a um período da história onde o velho e rude esporte bretão ainda não era tão disputado e tão científico como hoje em dia. É a lembrança de um tempo onde éramos mais inocentes do que somos agora. Assim como os mais velhos sempre remontam aos tempos de Pelé, Eusébio e Puskás, a nossa geração faz o mesmo com alguns dos jogadores citados acima.

E com Messi e Zidane não é diferente. A busca pelo “camisa dez clássico” faz parte do imaginário deles também. Afinal, eles também são gente como a gente. Por outro lado, essa discussão nos leva também a refletir sobre alguns dos jogadores mencionados pelos dois craques no vídeo da Adidas. E por mais que isso pareça óbvio, não existem camisas dez iguais. Cada um deles traz características particulares. Messi, por exemplo, começou como ponta pela direita no histórico Barcelona de Eto’o, Ronaldinho Gaúcho e Deco e foi deslocado para a função de “falso nove” com Pep Guardiola. O 4-3-3 que destruiu o Manchester United na final da Champions League de 2010/11 ainda é bastante lembrado e celebrado.

Messi conquistou a Europa e o mundo todo jogando como "falso nove" no histórico 4-3-3 do Barcelona comandado por Pep Guardiola. Foto: Reprodução / YouTube / TNT Sports
Messi conquistou a Europa e o mundo todo jogando como “falso nove” no histórico 4-3-3 do Barcelona comandado por Pep Guardiola. Foto: Reprodução / YouTube / TNT Sports

Já Zidane era mais próximo de um “camisa dez clássico” do que Messi está (pelo menos na visão deste que escreve e no diálogo dos dois craques). O francês era o meia de criação que buscava o espaço vazio (seja às costas dos volantes ou pelos lados do campo) para organizar a equipe e acionar os atacantes sempre com passes precisos. Zidane, além da elegância com a bola nos pés, também era extremamente inteligente e já jogou como meia pela direita (no 4-3-2-1 da França de Aimé Jacquet campeã mundial em 1998), jogou como volante pela esquerda no Real Madrid galáctico de Vanderlei Luxemburgo e foi o grande maestro do 4-2-3-1 de Raymond Domenech na França vice mundial em 2006.

Zidane brilhou em diversas posições do meio-campo. Na Copa do Mundo de 2006, jogou atrás de Thierry Henry no 4-2-3-1 de Raymond Domenech. Foto: Reprodução / YouTube / FIFA
Zidane brilhou em diversas posições do meio-campo. Na Copa do Mundo de 2006, jogou atrás de Thierry Henry no 4-2-3-1 de Raymond Domenech. Foto: Reprodução / YouTube / FIFA

Notem bem que já encontramos alguns pontos importantes. O camisa dez clássico parece ter um lugar fixo no imaginário das pessoas (o jogador que atua imediatamente atrás dos atacantes, que organiza a equipe e que dita o ritmo das partidas). No entanto, Messi e Zidane brilharam executando funções diferentes. Mesmo na Copa do Mundo de 2022 (já com mais idade), o craque argentino era mais um segundo atacante do que propriamente um meio-campista dependendo do ponto de vista. E esse é um fator importante. Os camisas dez clássicos não tinham lugar fixo.

Um dos citados na conversa, Riquelme era o jogador que mais se aproxima da descrição de “camisa dez clássico”. Apesar da enorme qualidade, ele sofreu com a marcação adversária e só obteve sucesso quando vestiu as cores do Boca Juniors e do Villarreal ainda na década de 2000. Com Sergio Batista, foi campeão olímpico em Pequim 2008 jogando como o “enganche” do 4-3-1-2 utilizado na competição (jogando atrás de Agüero e um jovem chamado Messi). Contra a Seleção Brasileira de Dunga, buscava mais o espaço vazio e deixava o “serviço sujo” om os mais novos.

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Riquelme era o "enganche" da Argentina campeã olímpica em Pequim 2008. O "trabalho sujo" era feito por Agüero, Messi e Di María. Foto: Reprodução / YouTube / Olympic Channel
Riquelme era o “enganche” da Argentina campeã olímpica em Pequim 2008. O “trabalho sujo” era feito por Agüero, Messi e Di María. Foto: Reprodução / YouTube / Olympic Channel

E ainda há Maradona, talvez o maior jogador argentino de todos os tempos junto de Messi. É interessante notar que “El D10s” era muito mais atacante do que meia de criação no começo de carreira, chegando a jogar como o homem mais avançado da Argentina campeã mundial em 1986 com Carlos Bilardo. A final contra a antiga Alemanha Ocidental nos mostrou um Maradona que se movimentava por todo o campo e que aproveitava a descida de Enrique, Burruchaga e Valdano para desequilibrar com jogadas geniais. A tal “magia do camisa dez” tem muito da lembrança de Maradona e da sua atuação magistral no México há quase quarenta anos. No entanto, ainda era diferente da descrição clássica.

Maradona era mais atacante do que meia de criação no 3-3-2-2 de Carlos Bilardo na Argentina campeã mundial no México. Genialidade pura. Foto: Reprodução / YouTube / FIFA
Maradona era mais atacante do que meia de criação no 3-3-2-2 de Carlos Bilardo na Argentina campeã mundial no México. Genialidade pura. Foto: Reprodução / YouTube / FIFA

Se sairmos dos exemplos citados por Messi e Zidane, vamos encontrar uma série de “camisas dez” diferentes. Aqui mesmo no Brasil, é comum falar que a seleção de 1970 venceu a Copa do Mundo com “cinco camisas dez em campo”, mas sem lembrar que Rivellino e Gerson, por exemplo, jogavam numa posição equivalente ao volante “box-to-box” dos nossos dias e que Jairzinho e Tostão eram mais pontas de lança do que meio-campistas. O encaixe perfeito junto de Pelé (que era o jogador mais avançado do time de Zagallo em determinados momentos) ajudou a espalhar a lenda. E assim como os exemplos anteriores, cada camisa dez encontrou seu lugar dentro de campo e simplesmente se adaptou ao contexto.

A histórica Seleção Brasileira de 1970 contava com cinco "camisas dez". Zagallo escolheu escalar todos eles e encontrou o encaixe mais perfeito da história do futebol.
A histórica Seleção Brasileira de 1970 contava com cinco “camisas dez”. Zagallo escolheu escalar todos eles e encontrou o encaixe mais perfeito da história do futebol.

É possível dizer que o “camisa dez” sempre estará presente no futebol. A figura do organizador de jogadas, do responsável por ditar o ritimo das partidas dentro de campo e também por concentrar o potencial criativo de qualquer equipe ainda existe. A questão é que o esporte ficou mais dinâmico e muito mais veloz. E isso pode ter feito com que os “camisas dez” tenham seguido o processo iniciado há muito anos: se espalhar pelo campo. O Manchester City, por exemplo, venceu a Champions League passada com De Bruyne, Gündogan, Foden, Grealish e Bernardo Silva. Todos jogadores que se encaixam em pelo menos um aspecto dos “camisas dez” citados aqui (guardadas as proporções, claro).

Há camisas dez e camisas dez. Todos eles, sejam organizadores de jogadas ou até mesmo pontas de lanças modernos, têm seu lugar dentro de qualquer equipe do planeta. E a história mostra que eles são diferentes entre si e estão em toda a parte. Não precisam necessariamente vestir a dez como Pelé ou Maradona vestiam. Basta encontrar seu lugar dentro de campo e fazer aquilo que sabem fazer como ninguém. Exatamente como Zidane e Messi, as duas lendas do vídeo promocional da Adidas. Confira a íntegra da conversa abaixo:

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