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Conheça Fleitas Solich, o paraguaio que fez a cabeça do Flamengo

“El Brujo” revolucionou o Flamengo dentro e fora de campo nos anos 1950 com ideias arrojadas e modernas para seu tempo

Por Luiz Ferreira em 16/01/2020 20:06 - Atualizado há 5 dias

Conheça Fleitas Solich, o paraguaio que fez a cabeça do Flamengo
Reprodução / Arquivo Nacional

O sucesso do Flamengo no ano de 2019 com o português Jorge Jesus fez com que muitos torcedores rubro-negros se lembrassem do timaço que conquistou o mundo em 1981. No entanto, o impacto do “Mister” no comando do Mais Querido do Brasil só pode ser comparado à revolução que o paraguaio Fleitas Solich fez no Fla a partir de meados da década de 1950. Eram outros tempos bem diferentes dos de hoje. No entanto, assim como aconteceu com Jorge Jesus, “El Brujo” também chegou ao Rio de Janeiro cercado de desconfiança por parte da imprensa e da torcida. E assim como aconteceu com o “Mister”, Fleitas Solich vinha de uma outra cultura e não tinha os vícios do futebol praticado por estas bandas. E essa é a história da sua passagem pelo Flamengo.

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O próprio Flamengo já havia trazido o húngaro Dori Krüschner no final dos anos 1930 com o objetivo de atualizar os jogadores e os conceitos táticos. E o cenário no clube antes da chegada de Fleitas Solich tinha muitas semelhanças com a época em que Jorge Jesus aterrissou por aqui. O ano era 1953 e o Mais Querido do Brasil passava por uma seca de títulos. Oito anos, para ser mais exato. Desde o primeiro tricampeonato carioca, conquistado entre 1942 e 1944. Gilberto Cardoso, então presidente do Flamengo, já conhecia o trabalho de Solich na Seleção Paraguaia durante a Copa América de 1949, disputada no Brasil. O título sul-americano em 1953 (conquistado em cima da já citada Seleção Brasileira) aumentou ainda mais o interesse no trabalho do treinador.

Vale lembrar que o futebol jogado por estas bandas nos anos 1950 era muito mais lento e cadenciado e quase todo calcado na presença do craque. Era ele quem ditava o ritmo e resolvia as partidas. As coisas mudariam um pouco com a chegada de “El Brujo” à Gávea. E começando pelas tais inovações táticas tão procuradas pela diretoria do Flamengo. De início, “El Brujo” preferiu apenas observar o time comandado por Jayme de Almeida num torneio quadrangular contra Botafogo, Boca Juniors e San Lorenzo e fez suas experiências no Torneio Rio-São Paulo logo no início da temporada. Quando o Fla estreou no Campeonato Carioca de 1953 (com goleada de 7 a 2 no Bangu), o time estava em ponto de bala e já havia assimilado boa parte dos conceitos de Fleitas Solich.

A imprensa esportiva, tão acostumada com o WM (e a escalar os times como se jogassem no 2-3-5), se via diante de um desenho que reunia quatro jogadores na zaga, dois no meio-campo e quatro atacantes. A maneira de jogar também era bastante diferente daquilo que todos estavam acostumados. A ordem no Flamengo era fazer a bola chegar na frente o mais rápido possível. Um jogo mais direto, mais vertical, mais veloz e mais solidário, com defesa marcando por zona e pontas recuando para fechar espaços. Tudo aliado a uma excelente preparação física. Mas Fleitas Solich ia além. Considerava o meio-campo uma zona que prestava para mostrar um jogo bonito e nada mais. Numa frase que se tornaria célebre, “El Brujo” dizia: “O meio-campo é por onde a bola passa, não onde ela fica”.

O Flamengo conquistou o Campeonato Carioca de 1953 com uma rodada de antecipação. Foram 21 vitórias, quatro empates e apenas duas derrotas e o ataque mais positivo da competição com 77 gols. O paraguaio García era o goleiro; Marinho e Jordan eram os laterais; Servílio e Pavão formavam a zaga; Dequinha e Rubens faziam o meio-campo; e Joel, Índio, Benítez (também paraguaio) e Esquerdinha formavam o quarteto ofensivo. E já naquele tempo, ficava claro que não havia espaço para estrelismos no Flamengo. Nem mesmo para Rubens, um dos “donos do time” e que, assim como muitos, fumava e bebia, hábitos considerados como inaceitáveis por Fleitas Solich. O “Doutor Rúbis” e outros jogadores seriam afastados da equipe, por este e outros motivos.

O Flamengo conquistou o Campeonato Carioca com sobras logo no primeiro ano de Fleitas Solich no comando da equipe. O time passou a jogar no 4-2-4 com o recuo de Servílio para a zaga e a adoção de um jogo muito mais direto e muito mais objetivo do que o praticado até então.

Em 1954, o Campeonato Carioca foi conquistado novamente com uma rodada de antecedência e com campanha quase idêntica: 20 vitórias, cinco empates e apenas duas derrotas. Desta vez, o brilho da equipe de Fleitas Solich estava na defesa, a menos vazada da competição com 27 gols sofridos. A equipe titular, no entanto, sofreu algumas alterações. O alagoano Tomires entrou na lateral-direita no lugar de Marinho, Jadir recuperou seu lugar na zaga (ao lado de Pavão), Evaristo de Macedo (aquele mesmo) ganhou a vaga de Benítez no meio-campo e um jovem Zagallo entrou no lugar de Esquerdinha. E o “Velho Lobo” se tornaria um dos símbolos do time comandado por “El Brujo”. Vindo da base do América, se tornaria um ponta versátil, criativo, inteligente e chegaria à Seleção Brasileira para fazer exatamente aquilo que fazia com Solich: auxiliar a cobertura defensiva e puxar os contra-ataques.

O bicampeonato carioca viria com praticamente a mesma base do ano anterior, mas com algumas mudanças implementadas por Fleitas Solich dentro e fora de campo. Nomes como Evaristo de Macedo, Paulinho e um jovem Zagallo começaram a ganhar chances.

O terceiro título do Campeonato Carioca foi o mais longo de todos. A competição começou no dia 7 de agosto de 1955 e terminou apenas no dia 4 de abril de 1956. A decisão contra o América, no entanto, foi dramática. Os rubro-negros venceram o primeiro jogo por 1 a 0 e foram derrotados no segundo por categóricos 5 a 1 numa tarde de 1º de abril. E Fleitas Solich tomaria decisões radicais no jogo de desempate. Servílio entraria no lugar de Jadir na zaga para conter o forte centroavante Leônidas “da Selva”. Outra mudança aconteceria no ataque: Paulinho (artilheiro do campeonato) daria lugar para o jovem Dida com Evaristo de Macedo sendo deslocado para o comando de ataque. Paulinho se revoltou e Jadir chegou a chorar quando soube que não jogaria a final. Mas Solich tinha razão. O Flamengo venceu o América por 4 a 1 com quatro gols de Dida e conquistava mais tricampeonato estadual.

A decisão do Campeonato Carioca de 1955 só viria depois do terceiro jogo contra o América e o show de Dida na partida decisiva. Fleitas Solich barrou Jadir e Paulinho e deixou o Flamengo ainda mais competitivo para encarar o América e sair do Maracanã com mais um título.

O cansaço, as lesões de jogadores importantes e sequências de empates tirariam a equipe comandada por Fleitas Solich da disputa dos títulos nas temporadas seguintes. Mesmo assim, o prestígio do paraguaio seguia tão grande que ele foi seriamente cogitado para assumir a Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1958. O posto, no entanto, ficaria com Vicente Feola (auxiliar de Béla Guttmann no São Paulo) e responsável por levar o 4-2-4 ao escrete canarinho. Por outro lado, o Flamengo seria o time com o maior número de jogadores chamados para a pré-lista. Joel, Moacir, Dida e Zagallo fariam parte da equipe que traria a primeira Copa do Mundo para o Brasil. Fleitas Solich deixaria o Flamengo em julho de 1959 após conquistar a prestigiosa Gran Serie Suramericana de Clubs, torneio hexagonal disputado em Lima contra Peñarol, River Plate, Colo-Colo, Alianza Lima e Universitario.

Depois de passar pelo Real Madrid de Puskás e Di Stéfano na temporada 1959/60, Fleitas Solich estava de volta ao Flamengo. E essa sua segunda passagem pelo rubro-negro da Gávea seria tão vitoriosa quanto a primeira, tanto nas conquistas como nos jogadores revelados pelo técnico paraguaio. Nomes como Carlinhos (o “Violino”) e Gerson (o “Canhotinha de Ouro”) se juntaram a Dida, Jordan, Joel e Dida. O título do Torneio Rio-São Paulo de 1961 viria com uma vitória por 2 a 0 sobre o Corinthians de Cabeção, Oreco e Ari Clemente diante de 40 mil pessoas no Maracanã. Fleitas Solich ainda veria o Flamengo conquistar o Torneio Octogonal de Verão, disputado contra Vasco, São Paulo, Corinthians, Boca Juniors, River Plate, Nacional de Montevidéu e Cerro do Uruguai.

Depois disso, “El Brujo” voltaria para sua terra natal para comandar a Seleção Paraguaia mais uma vez e passaria por diversos clubes até retornar ao Flamengo no segundo semestre de 1971 para revelar um garoto franzino de apenas 18 anos chamado Zico. Meses depois, Fleitas Solich anunciou a sua aposentadoria, mas seguiu morando no Rio de Janeiro. “El Brujo” faleceu no dia 24 de março de 1984 e deixou um legado imenso no futebol brasileiro. Além de recolocar o Flamengo novamente entre os grandes do futebol brasileiro, foi responsável por revelar alguns dos grandes nomes da modalidade nos anos em que esteve com a prancheta na mão.

FONTES DE PESQUISA:

RSSSF Brasil
Site oficial do Flamengo
TRIVELA: Há 30 anos morria Fleitas Solich, o técnico que trocou o Flamengo pelo Real Madrid de Di Stefano
TRIVELA: Fleitas Solich: o outro gringo que revolucionou o Flamengo

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