Home Opinião Iberê Riveras: Clubes do interior perdem chance de apertar FPF; ainda há tempo

Iberê Riveras: Clubes do interior perdem chance de apertar FPF; ainda há tempo

Reuniões da semana ‘garantiram’ conclusão da séries A1, A2 e A3; em relação a mudanças estruturais, clubes seguem em ‘sono profundo’

Iberê Riveras
Colaborador e colunista do Torcedores.com.
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Finalmente, após um mês da paralisação das três primeiras divisões do Campeonato Paulista em decorrência da pandemia da Covid-19, a Federação Paulista de Futebol deu as caras. Realizou reuniões virtuais com os presidentes dos clubes da A1 na quarta (15), da A2 na quinta (16) e da A3 na sexta (17) e, com amplo apoio dos clubes, assegurou a conclusão ‘no campo’ dos campeonatos que tiveram de ser interrompidos. Para a conclusão dos torneios, faltam seis datas para a A1, nove para a A2 e dez para a A3.

O curioso deste momento é que, até aqui, todas as federações e confederações que englobam o futebol brasileiro apostam na normalização da prática esportiva a tempo de todas as competições serem realizadas, com a simples redução do tempo de intervalo entre os jogos. A CONMEBOL cortou a Copa América, mas promete concluir a Libertadores, a CBF, pressionada por acordos comerciais, se descabela para manter o Brasileiro com 38 datas e, a FPF, como quase todas as outras federações estaduais, garantem a conclusão dos campeonatos locais.

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Alguém, em sã consciência, acredita na possibilidade de, mesmo com os portões fechados, um jogo de futebol acontecer no Brasil ainda neste primeiro semestre? Por mais que sejam aplicados testes nos atletas, membros da comissão técnica, trio de arbitragem, gandulas, maqueiros, enquanto houver risco de transmissão do vírus, as autoridades públicas de saúde não darão o seu aval. A impressão que dá é que as entidades que comandam o futebol fazem vista grossa para o tamanho do imbróglio para depois se justificarem escoradas na questão da saúde. A ansiedade generalizada pelo retorno do futebol contribui para esta falsa sensação de que, com jeitinho, vai dar para fazer tudo, com todos os campeonatos.

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O carioca e flamenguista Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol, é um político experiente. Começou sua trajetória como dirigente em 1980, como diretor de futebol do Taubaté, clube do Vale do Paraíba do qual foi presidente entre 1984 e 1988. A esta altura, já era membro da FPF como diretor administrativo. Depois, tornou-se membro e eventual presidente da Comissão de Arbitragem de São Paulo, cargo que ocupou por três mandatos. Foi figura central da polêmica escolha do árbitro da primeira final do Campeonato Paulista de 1993, mas resistiu. Virou diretor financeiro e, em 1996, vice-presidente.

Foi ele que, em 2003, leu a carta de renúncia de Eduardo José Farah. Não assumiu a presidência porque o advogado Marco Polo Del Nero, outro vice, era 13 anos mais velho – critério do estatuto da casa. A relação entre os dois ficou abalada porque Del Nero havia sido eleito vice naquele mesmo ano. Bastos segurou o tranco e continuou apostando no seu bom relacionamento com os clubes do interior – discursos elogiosos e mimos sempre foram uma prática comum. Em 2005, envolveu-se em outra polêmica, a Máfia do Apito. O árbitro Edilson Pereira de Carvalho – que confessou ter manipulado resultados de partidas do Campeonato Brasileiro – acusou Bastos de pressionar a arbitragem e pedir favorecimentos a determinados times havia cinco anos. Nada foi provado, mas Reinaldo chegou a se afastar da FPF por um período.


Reinaldo Carneiro Bastos e Marco Polo Del Nero: relação instável | Foto: Gazeta Press

Outra polêmica aconteceu em 2008. Na rodada final do Brasileiro, o presidente da FPF, Marco Polo Del Nero, denunciou um suposto “agrado” ao árbitro Wagner Tardelli para que ele apitasse em favor do São Paulo, que precisava de um empate contra o Goiás para ser campeão: um envelope com ingressos para o show da cantora Madonna, no Morumbi. O intermediário que entregaria o pacote ao juiz seria justamente Reinaldo, amigo pessoal de Tardelli. A acusação não foi provada. Em 2010, passou a acumular o cargo de diretor de Desenvolvimento e Projetos na CBF, convidado pelo então presidente Ricardo Teixeira.

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O sonho de ocupar a cadeira de presidente da máxima entidade do futebol paulista foi alcançado em 2015, quando Marco Polo Del Nero foi aclamado presidente da CBF e abriu espaço para o vice mais velho na FPF. Em 2017, quando Del Nero foi suspenso pelo Comitê de Ética da FIFA em decorrência das acusações sobre recebimento de propina em contratos da CBF e Conmebol, Bastos, com o apoio de alguns dos principais clubes do país, armou o bote, mas foi sabotado justamente por Del Nero, que usou a sua influência para eleger Rogério Caboclo, atual mandatário da máxima entidade do futebol brasileiro. Enquanto na FPF os clubes são a parte de maior poder, na CBF este quinhão cabe às federações estaduais.

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Chegamos a 2019 e ao flagelo chamado Covid-19. A situação dos clubes do interior – e dos demais, em todo o território nacional – sem divisão nacional, que já era ruim, agora é pior. Pela ausência de receita, pela interrupção de contratos de fornecedores, pelo encerramento de contratos com os atletas e membros da comissão técnica, pelo medo generalizado de contrair o vírus e propagá-lo a mais pessoas – claro, há os ‘destemidos’ –, pela sensação de desamparo. Neste momento, a ajuda tem que vir de quem? Das riquíssimas federações e confederações, chegando à FIFA. Mais uma vez como microcosmo da sociedade, o futebol sinaliza que cabe às entidades que sempre sugaram tudo dos clubes oferecer a contrapartida na hora do sufoco.

Mas não. Presidentes como o ‘encantador de serpentes’ Reinaldo Carneiro Bastos, homem de aspecto rude, mas fala mansa, induzem os clubes a aceitar a mensagem de ‘normalidade’, prometendo a conclusão dos campeonatos ‘em campo’, justificando que é a única forma das agremiações receberem a última cota dos direitos da televisão – no caso das séries A1 e A2. Em sono profundo, os presidentes dos clubes aplaudem, esquecendo-se momentaneamente do perrengue diário pela sobrevivência. Estranho fenômeno.

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Os clubes do interior de São Paulo representam 70% dos clubes que disputam as três primeiras séries do Paulista. Vinte e três deles não têm calendário nacional para o restante da temporada. Há mais 31 clubes do interior na 4ª divisão, que ainda não foi iniciada. São, portanto, 54 clubes do interior de SP que limitam seus anos a uma única competição, de curta duração – a Copa Paulista é ainda uma competição embrionária, com reduzidas visibilidade e receita.

Se não neste momento, quando é que os clubes que vêm sendo esmagados pelo sistema da Federação Paulista vão despertar e exigir que toda a estrutura do futebol paulista seja repensada? Os clubes grandes já não dão mais ‘pelota’ para os estaduais, mas ao mesmo tempo não querem o desaparecimento dos clubes pequenos, porque é ali que surge boa parte dos futuros craques. Por que não se pensa em uma forma de dar suporte financeiro permanente aos clubes menores, com fiscalização? Por que não se pensa na melhoria concreta das competições? Tudo passa pelo dinheiro e, acredite, dinheiro não falta no futebol. Ele só está todo concentrado nas mãos de poucos, entre eles as federações e confederações.

Nas reuniões virtuais desta semana, em ‘off’, a Federação Paulista de Futebol disse aos clubes que não tem e não vai dar dinheiro. Inclusive, os orientou a não renovar os contratos com atletas e comissão técnica. Outra: se ‘garante’ o retorno dos campeonatos, por que antecipa a cota da TV Globo aos clubes das séries A1 e A2? Falta a última parcela. O medo que os clubes têm de se indispor com a Federação, com Reinaldo Carneiro Bastos, precisa ser superado. Abaixo dos presidentes dos clubes, há milhares de profissionais que anseiam por melhores condições de trabalho e de vida. Esta é a hora.

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