Home Lutas Há oito anos morria boxeador que rejeitou ‘Luta do Século’ contra Muhammed Ali por amor à Revolução

Há oito anos morria boxeador que rejeitou ‘Luta do Século’ contra Muhammed Ali por amor à Revolução

Ao rejeitar a luta, Teófilo Stevenson questionou ‘o que vale um milhão de dólares contra oito milhões de cubanos que me amam?’

Luca Cecchini
Colaborador do Torcedores.com.

No mundo da nobre arte há um consenso: Muhammad Ali foi o maior de todos. Durante sua carreira no boxe, muitos dos desafiantes não eram páreos ao seu talento, e por isso, promotores estavam sempre estavam sempre a procura de um desafiante a sua altura para entreter os espectadores e ganharem muito dinheiro.

PUBLICIDADE

Siga o Torcedores no Facebook para acompanhar as melhores notícias de futebol, games e outros esportes

Na década de 1970, havia um pugilista amador capaz de derrotar Ali. O cubano Teófilo Stevenson despontava no cenário mundial dos peso-pesados passando por cima de todos os seus adversários. Munido de fluidez na movimentação e um poderoso punho direito, Stevenson conquistou as medalhas de ouro nas Olimpíadas de Munique em 1972, e em Montreal em 1976. Nos mundiais, Stevenson era hegemônico. Estas conquistas o levaram ao status de herói nacional e símbolo de um futuro próspero para Cuba. No retorno ao país após cada medalha, Stevenson era recibo e aclamado por multidões em Havana.

PUBLICIDADE

https://www.youtube.com/watch?v=9SP5qGTMudU

As conquistas olímpicas lançaram sua fama ao nível internacional, e sua dominância na categoria amadora, levou amantes do esporte a imaginar seu desempenho contra os principais nomes do boxe profissional. Naquele período Ali, Joe Frazier e George Foreman dominavam o cenário, mas uma luta entre o fenômeno cubano e Ali era a de maior predileção.

Teófilo Stevenson nunca lutou como profissional. Ele foi contemporâneo da Revolução Cubana e passou toda sua vida sob o regime de Fidel Castro. Durante o regime castrista, os investimentos públicos eram direcionadas para três áreas em especial: assistência médica, educação e esportes. Assim, todas as práticas esportivas eram totalmente financiadas pelo governo, e em contra-partida, os atletas e seu trabalho pertenciam ao Estado cubano, o que obrigava os pugilistas  a atuar como amadores mesmo praticando um boxe de ponta.

Mais do que uma retribuição ao investimento, os atletas da ilha da América Central competiam pelo patriotismo e apoio ao regime socialista. Pelo lado governamental, os esforços no esporte serviam de divulgação internacional do pequeno país ao sul dos Estados Unidos.

PUBLICIDADE

Muitas foram as tentativas de se arranjar a “Luta do Século” entre Stevenson e Ali. Quando saia de seu país para competir, promotores procuravam qualquer oportunidade para falar com Stevenson. Bolsas milionárias eram oferecidas abertamente em hotéis e aeroportos, sendo todas elas prontamente rejeitadas. Em 1978, veio a maior de todas. Promotores americanos propuseram uma bolsa de US$ 5 milhões para tornar a “Luta do Século” uma realidade, algo próximo a US$ 20 milhões em valores atuais. Quando questionado por que havia rejeitado tanto dinheiro, Teófilo respondeu:  “o que vale um milhão de dólares contra oito milhões de cubanos que me amam?”.

Posteriormente, novas propostas foram feitas, e o duelo começou a ser desenhado. No entanto, haviam duas questões a serem resolvidas: as regras da luta e a recompensa financeira. Por ter lutado durante toda sua carreira nos moldes do boxe amador, Stevenson exigia lutar sob as regras da modalidade, isto é, quatro rounds ao invés de 12 e a regra do nocaute. Em seu favor, o pugilista cubano argumentava que este era o modelo que preservava o bem-estar dos lutadores, em contradição aos boxeadores profissionais que sofriam recorrentes problemas de saúde decorrentes de sua atividade.

Apesar do impasse, este problema era um obstáculo muito menor em comparação ao pagamento das bolsas, pois aqui envolvia-se a política externa estadounidense. Se a luta ocorresse, o dinheiro da bolsa seria pago ao governo cubano, indo de encontro ao embargo econômico imposto sobre Cuba em 1960. Caso Stevenson decidisse lutar sem o aval do governo, ficaria ao menos oito anos sem poder retornar ao seu país e passaria a ser taxado como um traidor da revolução.

Tornar-se milionário, e possivelmente campeão mundial dos peso-pesados, não teve qualquer importância para Stevenson. Sem pensar duas vezes, o cubano rejeitou a proposta. Preferiu ficar na sua terra natal, junto aos seus e à Revolução.

PUBLICIDADE

Chega ser impossível estimar o resultado desta luta. Stevenson era mais alto e tinha maior envergadura que Ali, além de maior potência em seus golpes. Contudo, a falta de experiência no boxe profissional cria a dúvida se o cubano seria capaz de suportar os 12 rounds no ritmo imparável do melhor de todos os tempos.

Mesmo sem atender ao desejo dos fãs de boxe em todo o mundo, a não realização da luta tem um aspecto positivo. Por nunca terem sido postos frente a frente, uma rivalidade entre eles não existiu, mas sim, uma amizade que ia além das suas afinidades pelo esporte. A relação entre os dois foi usada posteriormente como um pretexto para a reaproximação dos dois países após sucessivas crises diplomáticas. Quando ambos já estavam aposentados, e Cuba atravessava um processo de reabertura para o mundo capitalista, Ali foi à Cuba por duas vezes e colaborou politicamente para a reaproximação.

Por outro lado, a recusa de Teófilo Stevenson lançou uma enorme sombra em sua vitoriosa carreira. A escolha por não se profissionalizar o tornou desconhecido para boa parte do mundo, e sua dominância nas Olimpíadas foi aos poucos sendo esquecida. Contudo, a fidelidade incondicional a sua terra natal e seus princípios, o tornaram uma referência para boxeadores cubanos que continuam a prosperar. Para os habitantes daquela pequena ilha da América Central, a possível luta contra Ali não tem a menor importância, pois Stevenson é maior que o próprio esporte.

Leia Mais

PUBLICIDADE

O trágico caso de Bison Dele: de campeão da NBA ao misterioso desaparecimento

Jon Jones confronta manifestantes que pichavam durante protesto: ‘me dá a lata de spray’