Home Extra Voz invisível e ignorada: Diretor do Observatório Racial do Futebol fala sobre racismo na sociedade e no mundo da bola

Voz invisível e ignorada: Diretor do Observatório Racial do Futebol fala sobre racismo na sociedade e no mundo da bola

Marcelo Carvalho, diretor e criador do Observatório Racial do Futebol, relata episódios de racismo que sofreu ao logo da vida e comenta sobre o problema no esporte

Eduardo Bento
Colaborador do Torcedores.com.
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Lutar, posicionar-se e jamais se calar. Estas são atitudes que, desde o príncipio da vida, a comunidade negra escuta e vivência. Dia após dia, lutando e resistindo a um sistema elitista e racista, mas sem ser ouvida. 

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No esporte, Pelé e Michael Jordan certamente são negros de sucesso notório. No entanto, mesmo assim, sofreram com racismo, presente em todas as vertentes e segmentos da sociedade e, infelizmente, de forma acentuada no Brasil. 

Em 1950, o goleiro Barbosa sofreu. Nos anos 1970, os atacantes Reinaldo e Jairzinho foram alguns dos representantes negros que lutavam pelos seus direitos. Nos anos seguintes, muitos jogadores tentavam, como Serginho Chulapa, Júnior e Romário. E nada mudou. 

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Na última década, casos em estádios de futebol se tornaram ainda mais notórios. Os atos de racismo com o ex-árbitro Márcio Chagas, do ex-jogador Tinga e do volante Arouca fizeram com que o historiador Marcelo Carvalho criasse o Observatório Racial do Futebol, um espaço para dar ênfase a estudos voltados ao racismo no futebol.

“Após esses acontecimentos, pensei bem e comecei a pesquisar mais sobre questões raciais no futebol. Como eram suas qualificações, enquadramentos e tipos de punição. Com todas essas dúvidas que pairavam minha cabeça encontrei a resposta e iniciei o projeto do Observatório Racial do Futebol”, comentou o diretor.

Além de ser um instrumento para servir como espaço de fala e visibilidade do racismo existente no futebol, o Observatório possui ampla parceria com clubes brasileiros. Ao longo de seis anos de existência, muitas ações de conscientização, informação e de representação foram realizadas com diversos times do Brasil. Mas, têm seus problemas. “Por sermos um site que reproduz matérias voltadas ao racismo, bem como conteúdo científicos, como artigos, nunca fomos barrados por um clube ou censurados. No entanto, pessoas ligadas a clubes já entraram em contato, mas com reclamações pertinentes. Sem ataques”, pontuou.

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POSICIONAMENTO, OPORTUNIDADES E CASOS

Em entrevista ao Torcedores.com, Marcelo contou um pouco mais sobre o que pensa e concedeu um relato importante à redação do portal.

Torcedores.com – Falando sobre o posicionamento de pessoas públicas. Ao que você atribui a falta de posicionamento de muitos atletas sobre o racismo?

Marcelo Carvalho – Muitos atletas se posicionaram ao longo dos tempos, valorizamos que se manifestem. Aliás, muitos já se manifestaram e o que aconteceu com eles? Sofreram represálias e isso segue desde sempre. Se posicionar é falar, dialogar e debater sobre o assunto, não é só uma frase. Em grande escala, muitos não possuem as condições para se posicionar como muitos acreditam que seja o ideal, e isso vem do racismo estrutural que não possibilita as mesmas oportunidades.

“Todos os clubes nasceram com o racismo presente. Eram proibidos de falar ou nem  frequentar e trabalharem nas agremiações ” (Marcelo Carvalho, diretor do Observatório Racial do Futebol)

Torcedores.com – Poderia nos contar alguma situação de racismo que já vivenciou? 

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Marcelo Carvalho – Uma vez, saindo de um banho de mar na praia de Torres (Rio Grande do Sul), fui parado para uma abordagem policial.  E eu não levo documento para beira, quase ninguém leva, pois não tem onde colocar. No decorrer do procedimento, o policial começou a insistir que eu apresentasse o documento, mas de forma veemente. Eu não baixei a cabeça, e a situação ficou um pouco pesada, muitas pessoas em volta.

Aos arredores, uma senhora foi assaltada por um cara negro, e ela estava com o policial, ela disse que não era eu, que ‘não faria isso comigo’. O policial encerrou por ali. Ninguém quer passar por uma humilhação dessas. Hoje sofro menos com situações desse tipo, mas se ainda morasse em um bairro periférico, com certeza teria mais. Nesses locais, sim, o racismo é ainda mais presente

Torcedores.com – Qual a tua visão e perspectiva sobre as manifestações dos casos João Pedro e George Floyd? Sendo que negros vêm passando por situações como essas a décadas.

Marcelo Carvalho – Não existe mudança sem ruptura popular como está acontecendo. Vidas negras sempre são colocadas a frente, a todo momento. Há uma comoção ampla perante a esses genocídios que já existem a tempos. O negro em geral fala sobre racismo, mas não é ouvido.

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“O treinador Roger Machado disse uma frase interessante a poucos dias ‘O futebol embranquece as pessoas’, mas eu costumo dizer que ‘o dinheiro embranquece as pessoas'” (Marcelo Carvalho, diretor do Observatório Racial do Futebol)

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