E o futebol finalmente voltou pra casa. A música da banda The Lightning Seeds (lançada na época da Eurocopa de 1996) foi entoada novamente no lendário estádio de Wembley neste domingo (31). No entanto, ao invés dos Three Lions, as responsáveis pela maior conquista do futebol inglês desde a Copa do Mundo de 1966 foram as Lionesses. A vitória sobre a ótima e sempre perigosa Alemanha de Martina Voss-Tecklenburg na final da Eurocopa Feminina só veio na prorrogação, mas premiou o trabalho realizado pela holandesa Sarina Wiegman na equipe inglesa e as atuações de nomes como Keira Walsh, Francesca Kirby, Mary Earps, Lucy Bronze e Chloe Kelly. Título mais do que merecido, diga-se de passagem.
Estava mais do que claro para todos os 87 mil torcedores que estiveram presentes em Wembley (maior público da história da Eurocopa em todos os tempos) de que o confronto entre inglesas e alemãs seria marcado por um verdadeiro duelo tático na beira do gramado. E nesse início de partida, a equipe comandada por Sarina Wiegman se saiu melhor do que o time de Martina Voss-Tecklenburg. Além de executar melhor os movimentos do 4-2-3-1 da técnica holandesa, a Inglaterra também se aproveitava dos espaços que o escrete germânico deixava na última linha. Não foi por acaso que a lateral Rachel Daly encontrava espaço para lançar Francesca Kirby nas costas de Kathrin Hendrich e Giulia Gwinn.

Do outro lado, a Alemanha sentia a ausência da ótima Alexandra Popp, vetada antes da partida por conta de dores musculares. Além disso, o time de Martina Voss-Tecklenburg demorou muito para encaixar a marcação na saída de bola da Inglaterra. Ainda que Lena Oberdorf, Sara Däbritz e Jule Brand tentassem conter os avanços das adversárias, a impressão que ficava é a de que faltava coordenação na marcação da última linha e um pouco mais de concentração nos momentos sem a bola. As Lionesses, por sua vez, desperdiçaram duas grandes chances ainda no primeiro tempo com Ellen White. A primeira em belo cruzamento de Francesca Kirby da esquerda e a segunda em passe açucarado de Mary Earps da direita.
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Na prática, a grande final da Eurocopa Feminina nos mostrou claramente como o trabalho sem a bola é importante no futebol atual. A Inglaterra mostrou bem isso no primeiro tempo ao aplicar muita intensidade na movimentação ofensiva e bagunçar as linhas da sua adversária. Na volta do intervalo, Martina Voss-Tecklenburg entendeu que precisava dar mais consistência ao seu time e mandou Tabea Wassmuth para o jogo no lugar de Jule Brand. Ao invés do 4-1-4-1 dos primeiros 45 minutos, um 4-2-3-1 que deixou a excelente Lina Magull jogando logo atrás de Lea Schüller. A Alemanha subiu de produção e passou a explorar bem os lados do campo com passes em profundidade e muita intensidade no terço final.

Sarina Wiegman respondeu com as entradas de Alessia Russo e Ella Toone nos lugares de Francesca Kirby e Ellen White respectivamente. Ao invés das linhas mais altas de marcação, as Lionesses tendiam a permanecer mais recuadas, numa postura um pouco mais reativa do que a vista no primeiro tempo. No entanto, mesmo não estando no melhor momento da decisão, a Inglaterra abriu o placar justo quando a Alemanha se descuidou um pouco da pressão pós-perda. Keira Walsh (uma das melhores da partida na opinião deste que escreve) encontrou Ella Toone (jogadora do Manchester United) se lançando entre as zagueiras. O passe saiu preciso e a conclusão (um toque sobre a goleira Merle Frohms) foi fantástica.

Mesmo com a vantagem no placar, a Inglaterra mostrava muitas dificuldades para fechar os lados do campo. Não foram poucas as vezes em que Lucy Bronze e Rachel Daly ficaram expostas na marcação e tiveram que se virar contra o forte ataque alemão. Ao mesmo tempo, a impressão que ficava após o gol de Ella Toone era a de que a equipe de Martina Voss-Tecklenburg não havia sentido o golpe. Isso podia ser visto na série de chances desperdiçadas na segunda etapa. As entradas de Tabea Wassmuth, Sydney Lohmann e Nicole Anyomi seriam fundamentais para que o escrete germânico não perdesse fôlego no ataque e mantivesse o foco em cada lance em busca do gol que levaria a final para o tempo extra.
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E ele viria aos 34 minutos, em bela jogada trabalhada por Sydney Lohmann e Tabea Wassmuth. A camisa 8 da Alemanha teve todo o tempo do mundo para sair da direita para dentro e decidir a melhor opção para a sequência da jogada. O cruzamento de Wassmuth encontrou Lina Magull dentro da área como autêntica centroavante e a camisa 20 só teve o trabalho de escorar para as redes. Muito mais inteira fisicamente e num momento em que a confiança havia aumentado bastante, o escrete comandado por Martina Voss-Tecklenburg manteve a mesma estratégia na prorrogação, mas não conseguiram ser eficientes nas conclusões a gol. Ponto que acabou pesando para o lado das Lionesses. O melhor ainda estava por vir.

Acabou que a grande história dessa decisão de Eurocopa Feminina foi contada por Chloe Kelly. Onze meses depois de se recuperar de uma lesão grave no joelho, a camisa 18 marcou o gol do título aos cinco minutos do segundo tempo da prorrogação após cobrança de escanteio e confusão na área. O futebol “voltava para casa” ao som de “Sweet Caroline” (grande sucesso de Niel Diamond lançado em 1969) e premiava todo o trabalho de Sarina Wiegman na gestão de um elenco que tem plenas condições de atingir o topo do mundo. A vitória sobre a Alemanha diante de mais de 87 mil torcedores em Wembley também não deixa de ser simbólica. O primeiro grande título do futebol inglês depois da Copa do Mundo de 1966 foi conquistado por mulheres num momento de afirmação do futebol feminino em todo o planeta.
Precisamos reconhecer que os roteiristas dessa história estavam inspirados. E a Inglaterra conquista a primeira Eurocopa da sua história com uma campanha invejável: seis vitórias em seis jogos com impressionantes 22 gols marcados e apenas dois sofridos. Sarina Wiegman e companhia marcaram para sempre a história do velho e rude esporte bretão ao trazê-lo de volta para casa e nos lembrar que, como canta Neil Diamond, os bons tempos nunca pareceram tão bons.

