Home Futebol Precisamos elevar o debate quando o assunto é Pia Sundhage e a Seleção Brasileira Feminina

Precisamos elevar o debate quando o assunto é Pia Sundhage e a Seleção Brasileira Feminina

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira analisa as críticas ao trabalho da treinadora sueca e a vitória sobre a África do Sul

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

O futebol é apaixonante e mobiliza multidões. E as redes sociais ajudaram a transformar o torcedor em treinador das suas equipes preferidas pelo menos no espaço de um tweet. Essa nova realidade, no entanto, não esconde o fato de que o debate precisa ser mais elevado quando o assunto é o velho e rude esporte bretão. E ultimamente, o trabalho de Pia Sundhage na Seleção Feminina vem sofrendo críticas de todos os tipos. Algumas são justas e bem fundamentadas. Outras denotam má vontade e até mesmo uma boa dose de desonestidade com relação a tudo que vem sendo realizado no escrete canarinho. E a repercussão da vitória sobre a África do Sul comprova essa tese.

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Não quero citar nomes e nem replicar comentários aqui neste espaço. O que é certo (e urgente) é que o nível do debate precisa ir muito além de falas que apontam “falta de metodologia” ou “falta de ideias de jogo”, pontos onde Pia Sundhage já mostrou profundo entendimento. Há sim como se criticar uma série de escolhas da treinadora sueca desde o início de seu trabalho à frente do escrete canarinho. Mas até mesmo isso precisa ser feito com critério, fundamento, honestidade e entendendo o todo o contexto.

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O mesmo deve ser dito sobre as características do futebol feminino jogado aqui no Brasil. Nossas equipes só conseguiam se impor diante de adversários mais fracos e o faziam explorando o talento de duas ou três jogadoras diferenciadas (principalmente nos tempos de Marta, Cristiane, Formiga e Sissi). Falar que Pia Sundhage precisa recuperar o “DNA” da Seleção Feminina é desconhecer a própria história da modalidade e todas as dificuldades encontradas pelas mulheres que escolheram jogar futebol aqui por estas bandas.

Isso não quer dizer que o trabalho feito por nomes como Renê Simões, Jorge Barcellos e outros grandes treinadores foi ruim. Eles apenas entenderam o contexto e armaram suas equipes de acordo. Simples. Foi o que eu e você vimos na vitória sobre a África do Sul na última sexta-feira (2). Pia Sundhage não tinha Angelina e nem Luana, ambas lesionadas. A solução para adaptar Duda Sampaio e Ary Borges na frente da defesa foi prender Antônia pelo lado direito, posicionar Tamires e Adriana como alas, trazer Kerolin para junto de Debinha e apostar na força de Geyse no comando de ataque. Na prática, um 4-4-2 sem a bola e um 3-4-2-1 móvel quando a Seleção Feminina tinha a posse.

Antônia se alinhou a Kathellen e Rafaelle num 3-4-2-1 bem móvel na Seleção Feminina. Foto: Reprodução / SPORTV / GE

Essa formação permitia que o Brasil pudesse atacar com até sete jogadoras e fortalecia os lados do campo com as associações entre Kerolin e Debinha e as alas Adriana e Tamires. O primeiro tempo da partida desta sexta-feira (2), no entanto, nos mostrou uma Seleção Feminina que errava demais e que demorou muito para compreender quais movimentos precisavam ser feitos com e sem a bola. O golaço de Geyse ajudou a acalmar um pouco o time dentro de campo e a fazer com que as jogadas pelos lados fluíssem mais. O segundo gol brasileiro nasceu justamente de boa troca de passes entre Kerolin, Duda Sampaio e Debinha pelo lado esquerdo. Geyse arrastava a zaga sul-africana e Adriana atacou o espaço.

Geyse arrasta a marcação e Adriana ataca o espaço no lance do segundo gol da Seleção Feminina. Foto: Reprodução / SPORTV / GE

É lógico que nem tudo são flores na Seleção Feminina. As entradas de Micaelly e Bia Zaneratto nos lugares de Kerolin e Debinha diminuíram a pegada na pressão pós-perda. Mesmo assim, as dinâmicas funcionavam sempre que o Brasil usava os lados do campo. Exatamente como aconteceu no lance do terceiro gol brasileiro. Antônia (a zagueira/lateral de Pia Sundhage) parte pela direita no espaço aberto por Adriana. O cruzamento buscava Geyse dentro da área, mas as linhas mais avançadas do 3-4-2-1 brasileiro permitem que Tamires (que foi muito mais ponta do que ala nesse lance) apareça pela esquerda e aproveite a sobra para balançar as redes sul-africanas.

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Antônia sobe ao ataque como lateral e Tamires aguarda a sobra como ponta pela esquerda. Foto: Reprodução / SPORTV / GE

Na prática, o que se viu na última sexta-feira (2) foi a tentativa de Pia Sundhage se adaptar aos desfalques de duas atletas importantíssimas e emplacar uma nova formação na mesma tacada. E qual o melhor momento de se fazer isso do que um amistoso? Difícil entender a postura de alguns colegas de imprensa que insistiam em ignorar todo o contexto para apontar erros que são comuns em situações como essas. O debate sobre o jogo nunca vai atingir um nível aceitável se as coisas continuarem assim. Repito: se vamos criticar o trabalho da sueca, que o façamos pelos motivos certos. E não por picuinha, má vontade ou desonestidade. E tem gente que não entendeu isso. Ou não quer entender.

É bem possível que Pia Sundhage faça mais mudanças na Seleção Feminina para o amistoso desta segunda-feira (5). A opção pelo 3-4-2-1 se justificou diante do contexto e da necessidade de se adaptar características dentro de um mesmo time. E como dissemos anteriormente, amistosos servem para exatamente para isso. Ainda que quem comande o debate insista em ignorar o óbvio.