Home Futebol Ousadia, resiliência e organização: Palmeiras não é o campeão brasileiro de 2023 por acaso

Ousadia, resiliência e organização: Palmeiras não é o campeão brasileiro de 2023 por acaso

Na coluna PAPO TÁTICO, Luiz Ferreira destaca a campanha de recuperação do Verdão até a conquista do titulo

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.
Ousadia, resiliência e organização: Palmeiras não é o campeão brasileiro de 2023 por acaso

Staff Images / CBF

É um pouco complicado para este colunista escrever alguma coisa a mais do que já foi escrita (e falada) sobre o histórico Palmeiras de Abel Ferreira. Mesmo assim, é praticamente impossível não destacar alguns dos inúmeros pontos fortes do agora dodecacampeão brasileiro. A começar por rechaçar o discurso raso e aproveitador que defende que esse Brasileirão “caiu no colo” da equipe alviverde. Sim, podemos criticar algumas atuações e algumas decisões do seu treinador, mas nunca diminuir o feito de um grupo já acostumado com a pressão natural que todo time que briga por taças sofre em qualquer lugar do mundo. O Palmeiras foi ousado, resiliente e merece demais esse título.

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E é claro que muito desse 12º título nacional passa pelo trabalho de Abel Ferreira. O treinador mais vitorioso da história do clube soube usar bem as ferramentas que tinha em mãos e tirou todos os holofotes do elenco num momento em que o Botafogo dominava as atenções no primeiro turno. Aos poucos, o Verdão foi subindo de produção e mostrou futebol de campeão na goleada sobre o São Paulo e virada histórica sobre o já citado Glorioso. Também passou por momentos complicados como a eliminação na Libertadores para o Boca Juniors e a derrota para o Flamengo no Maracanã. Mesmo assim, a impressão que fica é a de que está cada vez mais difícil abalar esse elenco.

No chamado “jogo do título”, Abel Ferreira apostou no mesmo 4-4-2/3-4-1-2 utilizado nas últimas rodadas do Brasileirão. Sem a bola, o Palmeiras se organizava com duas linhas na frente da área do goleiro Weverton. Mayke (o ala pela direita) com a posse da bola, se posicionava à frente de Marcos Rocha e fechava em cima do lateral adversário (Marlon, no caso do jogo contra o Cruzeiro). Richard Ríos e Zé Rafael garantiam a proteção da zaga e Breno Lopes fazia papel importante pelo lado esquerdo junto a Vanderlan (substituto de Piquerez, lesionado), ajudavam a dupla de zaga formada por Murilo e Gustavo Gómez na marcação em Arthur Gomes, Matheus Pereira e Bruno Rodrigues.

O Palmeiras entrou em campo organizado num 3-4-1-2 que virara um 4-4-2 sem a bola. Mayke foi ala e jogou um pouco mais à frente de Marcos Rocha. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
O Palmeiras entrou em campo organizado num 3-4-1-2 que virara um 4-4-2 sem a bola. Mayke foi ala e jogou um pouco mais à frente de Marcos Rocha. Foto: Reprodução / TV Globo / GE

Com a posse, no entanto, o desenho tático mudava drasticamente com Marcos Rocha permanecendo mais contido e liberando Mayke para se transformar num ponta pela direita. Mais à frente, Endrick comandava o ataque com bastante mobilidade e abrindo espaços para as chegadas de Breno Lopes, Raphael Veiga e até mesmo Richard Ríos e Mayke. Tudo feito com muita intensidade e velocidade nas trocas de passe, jogo vertical que foi uma das marcas mais fortes do time comandado por Abel Ferreira nos últimos meses. A séria lesão de Dudu e a fase ruim de Arthur influenciaram um pouco nessa mudança tática, mas fato é que o Palmeiras não deixou de ser consistente.

Richard Ríos recupera a bola na intermediária defensiva, Endrick arrasta a zaga e Breno Lopes ataca o espaço pela esquerda. Organização e intensidade. Foto: Reprodução / TV Globo / GE
Richard Ríos recupera a bola na intermediária defensiva, Endrick arrasta a zaga e Breno Lopes ataca o espaço pela esquerda. Organização e intensidade. Foto: Reprodução / TV Globo / GE

É interessante notar que essa não foi a primeira vez em que Abel Ferreira lançou mão do esquema com três defensores para ser mais ofensivo ou apostou numa formação diferente daquela que vinha utilizando nesse seu período no Palmeiras. Foi assim no tricampeonato da Libertadores e durante todo o ano de 2023. O treinador português (como todo e qualquer profissional de primeira linha no futebol mundial) sabe que quem dita o jogo são os jogadores e que cabe a ele se adaptar a esse contexto. Entender esse cenário e encontrar soluções faz parte desse trabalho.

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E como o próprio mencionou na coletiva após o título, os mesmos jornalistas e comentaristas que o criticavam pela utilização de uma linha com três zagueiros ou a volta ao 4-4-2 são os mesmos que agora o aplaudem pela conquista do Brasileirão. Este que escreve entende que o resultado final dita regras e que são os vencedores quem escrevem a história. Mas até que esses resultados e conquistas apareçam, é necessário respeitar os processos. Foi o que aconteceu com o Palmeiras desde a eliminação na Libertadores e as derrotas para Atlético-MG e Santos.

Vale lembrar também que esse mesmo elenco do Palmeiras comprou as ideias de Abel Ferreira e tentava executar todo o planejamento da maneira mais eficiente possível. Desde a movimentação ofensiva, a construção das jogadas desde o campo de defesa e chegando até na marcação por encaixes e perseguições curtas quando o adversário tem a posse da bola. Contra o Cruzeiro, esse estilo mais combativo foi percebido em vários momentos, com pontas perseguindo laterais, volantes fechando em cima dos criadores de jogadas e atacantes fechando as linhas de passe. Não por acaso, Raphael Veiga e Zé Rafael era aqueles que ficavam “livres”, seja para iniciar as jogadas ou puxar o contra-ataque.

A marcação por encaixes e perseguições curtas foi uma das características do Palmeiras de Abel Ferreira. Raphael Veiga e Zé Rafael ficavam "livres". Foto: Reprodução / TV Globo / GE
A marcação por encaixes e perseguições curtas foi uma das características do Palmeiras de Abel Ferreira. Raphael Veiga e Zé Rafael ficavam “livres”. Foto: Reprodução / TV Globo / GE

Ao contrário do discurso que alguns tentaram emplacar, esse título não “caiu no colo” do Palmeiras. A equipe de Abel Ferreira foi aquela que melhor entendeu o cenário da reta final do Campeonato Brasileiro e a que mais cresceu técnica e taticamente nas últimas rodadas. É óbvio que o derretimento mental do Botafogo ajudou nesse processo. Por outro lado, o foco dos jogadores no principal objetivo, a resiliência de todo o elenco nos momentos mais complicados e a organização do time dentro de campo precisam sim ser exaltados. Afinal de contas, qual foi o outro time que conseguiu tirar uma diferença de quatorze pontos com tanta consistência e eficiência?

É possível que eu e você só iremos entender o tamanho dos feitos desse histórico Palmeiras daqui a alguns anos. A equipe que foi batizada por Ademir da Guia como a “Terceira Academia” venceu seu terceiro título no ano de 2023. Ainda que alguns insistam no discurso da “taça que caiu no colo” e diminuam os feitos do time de Abel Ferreira (e do próprio treinador), certo é que eu e você vimos a história ser escrita diante dos nossos olhos no último dia 6 de dezembro. Poucas equipes chegaram no patamar que esse Palmeiras atingiu. E isso é fato.