Home Futebol A incrível modernidade da Seleção Brasileira Feminina em 2007

A incrível modernidade da Seleção Brasileira Feminina em 2007

A reprise da final do Pan de 2007 mostrou uma Seleção Feminina que jogava um futebol de encher os olhos e aquecer os corações; Brasil goleou os Estados Unidos por 5 a 0 com dois de Marta, dois de Cristiane e um de Daniela Alves.

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.
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Quase sempre que este colunista revê uma partida que marcou sua “vida futebolística”, ele acaba mudando de opinião sobre um determinado ponto. Seja um lance ou uma chance perdida, a visão muda conforme o tempo vai passando e a experiência vai aumentando. E neste domingo (10), depois de rever mais uma vez a final dos Jogos Pan-Americanos de 2007, as impressões mudaram mais uma vez. Primeiro pela grande atuação da Seleção Feminina comandada pelas então jovens Marta e Cristiane e pelas já experientes Aline Pellegrino, Rosana e Formiga. E depois, pelos conceitos aplicados pelo técnico Jorge Barcellos e muito bem executados pelas jogadoras dentro de campo. Rever os 5 a 0 sobre a Seleção dos Estados Unidos (e lembrar dos 4 a 0 nas semifinais da Copa do Mundo sobre a equipe principal semanas depois) nos deu a certeza de que estávamos diante de um dos melhores times que o futebol feminino brasileiro já produziu em toda sua história.

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A formação da Seleção Feminina que tentaria o ouro no Pan do Rio de Janeiro lembrava muito o velho 3-5-2 utilizado por diversas equipes do país na época. Vale lembrar que, na grande maioria dos times de então, o objetivo principal desse desenho tático era liberar os atletas mais talentosos de obrigações defensivas. Só que aquele Brasil que entrou em campo no dia 26 de julho de 2007 tinha uma postura bem diferente da maioria das equipes que jogavam por aqui (incluindo as do futebol masculino). A ótima Andréia Suntaque era a goleira que acionava os contra-ataques em velocidade da sua área. À sua frente, Tânia Maranhão jogava entre Aline Pellegrino e Renata Costa com Eliane e Rosana como alas. Formiga e Maycon marcavam e jogavam com muita qualidade para que Marta, Cristiane e Daniela Alves pudessem bagunçar a defesa norte-americana. O tal 3-5-2 se desdobrava num 3-4-2-1, num 3-4-3 e até mesmo num 3-3-4 com os avanços constantes de Rosana pela esquerda.

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No lance do primeiro gol brasileiro, Rosana se lançou ao ataque como ponta-esquerda à moda antiga enquanto Marta, Daniela Alves e Cristiane seguravam a defesa norte-americana. A Seleção Feminina colocava a bola no chão e sabia exatamente o que fazer com ela. Foto: Reprodução / TV Globo

O time comandado por Jorge Barcellos tinha um excelente preparo físico e sabia como se comportar nas mais diversas situações da partida. Com a posse da bola, a Seleção Feminina se movimentava, fazia triangulações e abria espaços. Sem ela, “mordia” o advesário para forçar o erro e retomar o controle das ações no meio-campo. Tal disciplina tática e coordenação de movimentos permitiam as variações no desenho tático assinaladas no parágrafo acima sem que a defesa ficasse exposta ou que os setores ficassem muito separados uns dos outros. E vale destacar aqui a incrível velocidade da Seleção Feminina nos contra-ataques. Não é exagero dizer que Marta e Cristiane (na época com 21 e 22 anos respectivamente), no auge da forma física, formaram os mais eficientes “arco e flecha” que o futebol brasileiro já viu nos últimos vinte anos. Marta recebia, levantava a cabeça e lançava Cristiane, atacante de muita explosão e habilidade. Imaginem só quantos gols brasileiros saíram dos pés dessas duas nesse período.

Marta recebia a bola, levantava a cabeça e via Cristiane se lançando em direção à área adversária em alta velocidade. As duas se tornariam os mais eficientes “arco e flecha” do futebol brasileiro naqueles tempos. Foto: Reprodução / TV Globo

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A movimentação ofensiva da Seleção Feminina de 2007 merece um parágrafo à parte. O trio formado por Marta, Cristiane e Daniela Alves (baita jogadora que não teve o merecido reconhecimento) simplesmente levou a defesa norte-americana à loucura. O quinto gol brasileiro na final do Pan de 2007 é uma verdadeira aula de movimentação ofensiva. Tudo (é claro) girava em torno da movimentação e da genialidade da nossa camisa 10. Marta recebe na direita, corta para o meio e vê Cristiane mais à frente. Ela espera o momento certo (enquanto a camisa 11 sai da área) para fazer o passe certeiro para Daniela Alves aproveitar o espaço aberto na meia esquerda para dominar e balançar as redes. A movimentação das três era sincronizada, veloz, intensa, muito fluida e quase sempre mortal. Era difícil acompanhar Marta, Cristiane e Daniela Alves durante o jogo até mesmo pela televisão. E isso sem falar nos avanços de Maycon por dentro e Rosana pela esquerda.

O quinto gol do Brasil na final do Pan é uma verdadeira aula de movimentação ofensiva. Marta recebe, Cristiane abre espaço e Daniela Alves se lançava no espaço vazio. As três se completavam de forma magnífica dentro de campo. Foto: Reprodução / TV Globo

Mas e a defesa? Bom, vale lenmbrar que a Seleção Feminina terminou os Jogos Pan-Americanos de 2007 sem ser vazada uma única vez. Em seis partidas, a equipe marcou incríveis 31 vezes, média superior a cinco gols por jogo. E muito se deve aos conceitos implementados Jorge Barcellos. A figura abaixo não deixa esse colunista mentir. A Seleção Feminina se defendia com uma linha de cinco quase uma década antes dela ser adotada por algumas das principais equipes do futebol mundial. Rosana fechava pela esquerda, Eliane (ala que não avançava tanto ao ataque) tirava a linha de passe pela direita e as zagueiras Aline Pellegrino, Tânia Maranhão (que jogou uma barbaridade na final) e Renata Costa cuidavam das atacantes adversárias. Mais à frente, Formiga (então com 29 anos) e Maycon ajudavam a compactar o setor e faziam o “serviço mais pesado” para que o trio ofensivo brilhasse lá na frente. Aquela Seleção Feminina jogava um futebol bastante moderno até mesmo para os padrões atuais.

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Eliane e Rosana fechavam pelos lados, Aline Pellegrino, Tânia Maranhão e Renata Costa cuidavam das zagueiras adversárias e Maycon e Formiga compactavam os setores. A Seleção Feminina já havia adotado a linha de cinco em 2007. Foto: Reprodução / TV Globo

Os torcedores mais ranzinzas podem até tentar diminuir o feito da Seleção Feminina nos Jogos Pan-Americanos de 2007. Afinal, aquela não era a equipe principal dos Estados Unidos. Por outro lado, precisamos destacar duas coisas aqui. A primeira é que o escrete norte-americano era comandado pela grande Jill Ellis (atual campeã mundial), e contava com nomes como a goleira Alyssa Naeher, a lateral Kelley O’Hara, a meia Tobin Heath (bicampeãs mundiais em 2015 e 2019), além da meia-atacante Laura “Cheney” Holiday (campeã em 2015) e da atacante Jessica McDonald (campeã em 2019). E a segunda é que essa mesma Seleção Brasileira que venceu o Pan do Rio de Janeiro no dia 26 de julho, aplicaria inapeláveis 4 a 0 na equipe principal dos Estados Unidos no dia 27 de setembro, em jogo válido pelas semifinais da Copa do Mundo da China. A derrota para a ótima Alemanha de Prinz na decisão ainda dói no coração de muita gente.

Todos esses detalhes expostos aqui e todas as lembranças da final dos Jogos Pan-Americanos de 2007 deixam o seguinte questionamento no ar: o que aconteceu com o nosso futebol feminino de 2007 até hoje? Pudemos ver Galvão Bueno cobrando mais estrutura, mais carinho e mais atenção para a modalidade num tempo em que o Brasil possuía uma das cinco melhores equipes de futebol feminino no mundo (falo com tranquilidade) e num momento em que o torcedor havia se conectado com Marta, Cristiane, Formiga e companhia. Era talvez a melhor geração de jogadoras que tivemos em todos os tempos. Temos sim um campeonato nacional estabelecido, equipes de camisa disputando as partidas, mas o caminho ainda é longo. A interrupção do belo trabalho de Jorge Barcellos e os interesses dos cartolas acabaram minando algo que poderia ser enorme e perdurar até hoje. Precisamos de mais espaço na mídia e de mais boa vontade de quem cuida da modalidade. Não é só dar ajuda de custo.

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Aquela Seleção Feminina de 2007 já mostrava que as mulheres tinham plenas condições de jogar um futebol moderno e vistoso para nossos olhos. E é isso que vai ficar na memória. Nossas meninas mostrando como se joga bola num Maracanã lotado com torcedores apaixonados.

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