O avanço tecnológico, tecnicista e do profissionalismo fez do futebol um jogo muito mais atlético e explosivo. Os jogadores são cada vez mais bem preparados, longevos e capazes de feitos esportivos impressionantes. É só ver as marcas que cara como Messi e Ronaldo alcançam com uma idade considerada avançada no meio.
Essa transformação, no entanto, diminuiu o espaço para aqueles que desafiam a lógica profissional e, por consequência, a lógica do jogo em si, com lances criativos, inesperados e com um estilo bastante próprio. Tanto é que dificilmente veremos craques como Tugay Kerimoglu brilhando novamente em grandes ligas.
O meia turco, que fez mais de 230 partidas na Premier League pelo Blackburn Rovers, é lembrado pelos torcedores como um jogador de muita classe, inteligência e visão de jogo. Mas também é conhecido pelos seus antigos companheiros de equipe como um “exímio” fumante.
Segundo Matt Jansen, volante inglês que atuou no Blackburn entre 1999 e 2006, Tugay “não tinha um mínimo de velocidade, não tinha fôlego e fumava como uma chaminé, pelo menos uns 20 cigarros por dia”, inclusive em dias de jogo — e até no vestiário, durante o intervalo.
“Ele invocava o tempo em que os jogadores de futebol simplesmente viviam sua vida como queriam. Não adiantava pedir para que ele parasse de fumar. No vestiário, antes das partidas, ele aparecia cheirando a tabaco. Aí ele ia lá e comandava o show por 45 minutos e depois estava fumando de novo no intervalo. Eu lembro do técnico Grame Souness procurando o Tugay no vestiário e nós olhávamos para as cabines do banheiro e víamos anéis de fumaça saindo por cima delas”, lembrou Jansen, em entrevista ao site “The Athletic”.
Apesar dos cigarros, Tugay era um “jogador de muita classe”
Para o volante, o hábito do turco não interferia em seu desempenho. “Ele tinha uma leitura de jogo tão brilhante que ele mal tinha que correr. Quando o jogo “estava” para ele, ele comandava. Ele tinha uma visão incrível, a melhor entre todos os aqueles com que joguei. Um jogador de muita classe”.
Contratado do Rangers, da Escócia, em 2001, Tugay Kerimoglu atuou no Blackburn Rovers até 2009. Segundo o site “Transfermarkt”, o meia fez 292 partidas pelo clube, marcando 13 gols e distribuindo seis assistências. Uma rápida busca, no entanto, mostra compilações de seus melhores momentos no time com uma oferta bem mais numerosa de participações em gols.
https://youtu.be/fYzVgV538Cw
Para além do impacto estatístico, é visível que Tugay era um jogador diferenciado. Fora a visão de jogo e a precisão nos passes, o turco era muito técnico e criativo em seus dribles e principalmente em seus domínios, se mostrando à frente de seu tempo no uso do “controle orientado”, fundamento de domínio de bola que já direciona a bola para onde o jogador quer ir.
Essa combinação de atributos ajudou o Blackburn a conquistar um título em sua passagem, a Copa da Inglaterra de 2002, mas principalmente a alçá-lo ao status de ídolo entre os torcedores — e de craque entre os jogadores.
Conhecido pela torcida inglesa como “Turkish Delight” (“deleite turco”, na tradução literal, mas também o nome para o doce “manjar turco”), Tugay era, e ainda é, muito bem visto por seus ex-colegas. O técnico Mark Hughes, que já treinou o Manchester City e foi comandante do Blackburn entre 2004 e 2009, diz que o camisa 5 foi o “melhor que treinou e o melhor enfrentou”.
O meia Robbie Savage, um “rover” entre 2005 e 2008, faz coro ao seu ex-comandante. Conversando com o jornal “Daily Star Sport”, o jogador, que segue atuando profissionalmente aos 46 anos na quarta divisão inglesa, disse que ele poderia ter jogado em qualquer time do chamado “big six” inglês.
” Ele era um jogador incrível, um dos melhores. Ele poderia ter jogado em qualquer time do mundo, na minha opinião. Ele era inacreditável mesmo jogando aos 37, 38, na Premier League, e seguia brilhante”, elogiou Savage, que afirmou que muitos de seus ex-colegas compartilham de sua opinião.
“Nós tínhamos ótimos jogadores, como Roque Santa Cruz, Craig Bellamy, David Bentley, que foi muito bom por um tempo, Benni McCarthy. Se você perguntar a qualquer um deles, eles dirão que Tugay foi o melhor”, concluiu o meia.
Tugay jogou Copa de 2002 e ficou marcado em lance com Denílson
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De fato, a combinação entre qualidade técnica, ausência de ética profissional e idolatria de torcedores e companheiros de time faz de Tugay Kerimoglu um jogador que lembra grandes craques de outros tempo, como Sócrates no Brasil, por exemplo.
Mas do que a comparação, no entanto, o meia tem uma ligação com o futebol brasileiro. Como um jogador turco em seu auge no início do século XXI, Tugay fez parte da surpreendente seleção de seu país que foi às semifinais da Copa do Mundo de 2002. E deu uma trabalheira à equipe que conquistou o Penta, tanto nas semis, quanto na fase de grupos.
Essa rivalidade, inclusive, está eternizada num dos grandes momentos — e registros — do Mundial do Japão e da Coreia do Sul. O meia, afinal, estava entre os quatro jogadores que foram marcar o penta Denílson, que prendia a bola pela ponta direita ao final do segundo tempo das semis, quando o Brasil já vencia por 1 a 0.
Talvez nem seja preciso dizer, mas Tugay foi o que primeiro “largou” a marcação do brasileiro. Talvez porque estava sem fôlego.
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