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Stefany Krebs superou preconceito e sonha em ser exemplo de inclusão

Primeira jogadora surda do Palmeiras enfrentou falta de apoio e pensou em desistir do esporte

Papo de Mina
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Por Lívia Camillo e Tayna Fiori

Stefany Krebs sonha com grandes títulos e em ser destaque no Palmeiras, mas essas não são suas maiores aspirações. Após assinar com o Alviverde, a primeira jogadora surda a atuar pelo clube tem o desejo de ver sua contratação abrir portas para outras atletas. O que faz seus olhos brilharem é ser inspiração para inclusão e respeito no esporte.

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“Meu sonho é ver os clubes seguirem o exemplo do Palmeiras. Isso é importante. Sabe o que penso? Se os clubes não conseguem seguir o exemplo, é porque estão com medo. Vão com coragem. Olhem apenas para as pernas, porque se joga bola com pernas. Valorizem [o talento]”, revelou ao Papo de Mina.

Muito do propósito de Stefany vem de suas experiências passadas. Apesar de seus tenros 21 anos, a meio-campista precisou superar inúmeros obstáculos para jogar profissionalmente e chegou a pensar em desistir. Principalmente ao bater de frente com o preconceito e a falta de apoio.

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“Sou surda, e quando estou só com ouvintes, parece que sou sozinha no mundo”

O caso mais impactante da carreira aconteceu em 2015, no sub-17 do Barateiro, time de futsal de Brusque, em Santa Catarina. Teffy, como ficou conhecida, foi apresentada em fevereiro daquele ano, sendo um dos mais importantes reforços para a temporada. No entanto, precisou deixar a equipe pela falta de assistência.

Sem poder se comunicar em Libras (língua brasileira de sinais) com os profissionais do clube, a atleta não conseguiu se adaptar. Um dos episódios mais complicados, segundo ela, aconteceu durante uma reunião em que era a única pessoa não ouvinte, e foi impedida de saber os assuntos discutidos. “A coordenadora não permitiu que a minha colega me explicasse o que teve em reunião”, contou.

Na época, a presidente da equipe, Daniela Civinski, disse não poder dar “atenção especial” à jovem. Por isso, Stefany era sempre a última a saber das definições, tanto em treinos quanto em reuniões. Além das “barreiras do som”, a jogadora alega ter enfrentado a falta de uma estrutura mínima, inclusive de alimentação. Foi aí que, longe da família, decidiu que não teria como continuar.

“Morei com quase 30 meninas. Quando chegava a comida, por exemplo pão e algumas coisas, logo já terminava tudo. Foi difícil isso. Almoço era normal, mas no jantar a gente fazia miojo ou outra coisa. Era acostumada a tomar café da manhã antes de ir para escola, mas lá não tinha. Então pedi para o intérprete de Libras [da escola] me levar. Eu estava com muita fome”, relembrou.

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“Foi um dos momentos mais emocionantes da vida”

A situação no Barateiro-SC, no entanto, antecedeu o Mundial de Futsal de Surdos –-competição que foi um marco na vida da camisa 11 -, na Tailândia, no fim daquele ano. Ao voltar para casa, em Erechim-RS, Stefany continuou treinando até integrar a seleção feminina da modalidade. “Foi a segunda convocação da seleção brasileira, mas a primeira para competir em Mundial. Foi tudo incrível e inesquecível. Fomos vice-campeãs, mesmo não tendo apoio do Governo, e muita gente não acreditava em nós.”

Com um aproveitamento de quase 100%, o Brasil perdeu apenas para a Rússia na final, por 3 a 2. E com seis gols em cinco jogos na competição, Teffy foi destaque, levando título de melhor jogadora. Aliás, as premiações não pararam por ali. “Voltei a jogar no futsal até ano passado. Fomos campeãs do Mundial, e fui a eleita melhor jogadora do mundo até 21 anos.”

A conquista do ouro no Mundial de futsal da Suíça, na temporada passada, coroou uma ascensão meteórica da seleção brasileira em oito anos. No primeiro mundial (2011), o Brasil feminino havia perdido de 23 a 0 para Rússia e ficou na lanterna. Em 2015, saiu com o vice-campeonato. Já em 2019, conquistou o título.

“Estou aqui para representar a comunidade surda”

Segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 10 milhões de pessoas são surdas (total ou parcialmente) no País. No entanto, como políticas de inclusão ainda são pequenas no esporte, a proposta vinda do Palmeiras surpreendeu Stefany. A jogadora teve passagem por outros times de futebol de campo, em 2016 e 2017.

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“O preparador William [Bittencourt] trabalhou comigo na seleção brasileira [de surdos]. Ele foi voluntário de 2013 até ano passado, quando começou a trabalhar para o Palmeiras. Era o sonho dele levar uma atleta surda. O clube fez a proposta, eu aceitei. Oportunidade única e momento único. Eu me emocionei muito, jamais imaginava isso”, contou.

“Sinceramente, sempre penso que a inclusão não é uma verdade. Muita gente fala, fala, mas na prática não faz. Já passei por barreiras, até fiquei com vontade de desistir por causa do impeditivo. Espero que os outros clubes sigam o exemplo do Palmeiras, não só no futebol, mas valorizem e respeitem mais a inclusão.”

“Não me sinto mais sozinha”

Hoje, Stefany é feliz. Em processo de adaptação das quadras para o campo, ela conta com as companheiras de apartamento, Stella e Karen, para tornar o dia a dia mais fácil. Todas do time palestrino estão aprendendo Libras, mas as duas se esforçam ainda mais. “Ela está nos ajudando. Em pouco tempo já aprendi vários sinais, porém o mais marcante foi a retribuição dela com o gesto eu te amo”, revelou Karen.

A parceria entre as três já tem tom de família para a meio-campista. E o próprio William, preparador que contribuiu para levar a jogadora à equipe alviverde, tem se surpreendido com os resultados. Comissão e diretoria aprovam os resultados da inclusão. “Essa integração tem ocorrido da melhor maneira possível. As meninas vêm se adaptando, combinando sinais técnicos e táticos com ela. Inclusive estamos adaptando algumas nomenclaturas específicas do futebol aos sinais de Libras para ajudar. Quando fazemos, ela já sabe”, disse.

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