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Tostão e Reinaldo: o futebol agradece

Poucas são as vozes discordantes quando se diz que os maiores jogadores da história do futebol mineiro foram batizados com os nomes de Eduardo Gonçalves de Andrade e José Reinaldo de Lima. O primeiro se imortalizou com o apelido de Tostão, reduzido a Tusta na intimidade dos fãs. O segundo se consagrou com a alcunha de Reinaldo, ou simplesmente o Rei para o exército de admiradores.

Cláudio Arreguy
Colaborador do Torcedores

A controvérsia surge quando se é instado a opinar sobre quem foi o maior. A nação cruzeirense joga suas fichas no seu eterno camisa 8. A atleticana aposta as suas no perene 9. Quando retornou ao Estado de Minas no início da década passada, Roberto Drummond promoveu uma enquete levantando a bola: o eleito na pesquisa do escritor e jornalista mineiro, torcedor do Galo, foi Reinaldo.

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Votos de torcedores representam um universo de opinião respeitável, mas não definitivo. Se assim fosse, não teríamos de discutir que Maradona foi melhor do que Pelé, como registram os números de pesquisa da Fifa pela mesma época. Na era da internet, foi a conclusão mais aceita no universo da bola, a maioria dos votos é de jovens, que guardam na memória as imagens mais recentes, até porque há muito mais delas disponíveis do que do craque mais novo do que do antigo. Muito em nome disso, a entidade internacional dividiu o prêmio e concedeu ao argentino algo como o prêmio de craque da galera, dedicando ao brasileiro uma espécie do de craque dos especialistas.

A questão mineira apresenta uma diferença. Ao contrário do “embate” universal entre Édson Arantes do Nascimento e Diego Armando Maradona Franco, a dúvida aí é quase exclusiva do estado. Fora das divisas das Alterosas ‒ e nas quase duas décadas em que militei na imprensa carioca e na paulista pude constatar isso ‒, a enquete proposta pelo autor de Hilda Furacão muito provavelmente seria vencida por Tostão.

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Os números da dupla são próximos, dando legítimos suportes às opiniões tanto alvinegras quanto às celestes. Reinaldo fez 255 gols para ser o maior artilheiro da história do Atlético, que defendeu em 475 jogos (média de 0,54). E é quem mais balançou as redes em 55 anos de Mineirão: 152. Tostão marcou 249 vezes como o principal goleador com a camisa cruzeirense, vestida em 373 partidas (média de 0,68). E é o segundo em gols no estádio da Pampulha: 142.

“Se Reinaldo não tivesse sofrido tantas contusões, teria sido muito maior”, lamentam os atleticanos. No que estão cobertos de razão. A plenitude do Rei foi interrompida aos 21 anos, traída pelos meniscos dos dois joelhos. Artilheiro do Brasileiro de 1977, ele mal conseguiu jogar no Mundial da Argentina em 1978. Foi operado em Nova York e retornou oito meses depois.

Registrou momentos de brilho, como no Brasileiro de 1980 e nas Eliminatórias da Copa de 1982, e tentou jogar até perto dos 30 anos, mas em meio a longos períodos no departamento médico. Sem o drama repetido das contusões, teria ido muito mais longe com seu estilo refinado, de dribles curtos, deslocamentos rápidos e incrível presença de área. Um futebol de sonho em meio a nuvens de pesadelo. Que o impediu de ser internacionalmente o astro que se consagrou no Brasil.

Mas os cruzeirenses de mais idade também poderiam ir pela mesma linha: “E se Tostão não fosse obrigado a encerrar a carreira por causa do deslocamento da retina do olho esquerdo?” Ele só tinha 22 anos quando a bola chutada pelo zagueiro corintiano Ditão, no gramado encharcado do Pacaembu, resvalou em seu rosto e provocou o problema. Operado em Houston, só voltou aos campos quase sete meses depois, nos preparativos para a Copa do Mundo de 1970.

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Na qual foi um dos destaques do Brasil, reverenciado pela imprensa mundial. Na volta, foi artilheiro do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Robertão, décadas depois oficializado como Brasileiro pela CBF. Em 1972, foi vendido ao Vasco, pelo qual jogou um ano sem destaque. Não encontrou em São Januário um time da qualidade do cruzeirense nem o bom ambiente de que desfrutava na Toca da Raposa. Em fevereiro do ano seguinte, num exame de rotina em Houston, sofreu hemorragia no olho e teve de parar até agosto. Quando ouviu do oftalmologista que o operou, o mineiro de Araguari Roberto Abdala Moura, a sentença definitiva: “Ou para ou pode perder a vista!”.

Tostão tinha apenas 26 anos quando encerrou a carreira. Até onde poderia ir não fosse o drama da retina? Segundo o jornalista escocês Hugh McIlvaney, o Mineirinho de Ouro era o símbolo de uma nova era do futebol mostrada pela Seleção Brasileira tricampeã do mundo em 1970: “Mal posso esperar para vê-lo em 1974”. No Mundial da Alemanha, outro astro de 27 anos é que brilharia intensamente: o holandês Johann Cruyff.

Em 2001, eu participava de um almoço no site Netgol.com, do qual era editor, com Ademir da Guia, Kléber Mazziero (autor da obra do Divino que estava para ser lançada), Roberto Benevides (diretor do site) e Celso Unzelte (também editor). O eterno ídolo do Palmeiras me perguntou: “Quais os cinco maiores jogadores que você viu em Minas?” Respondi de imediato: “Tostão, Dirceu Lopes, Zé Carlos, Reinaldo e Cerezo”. Ele balançou a cabeça afirmativamente e ainda disse rindo: “Além desses, eu era fã do Joãozinho”.

Anos depois, na redação do Estado de Minas, como editor de Esportes, ouvi de Dario, o Rei Dadá, em papo que também reunia o editor de primeira página, Ney Soares Filho, e o de Gerais, Arnaldo Vianna: “A torcida do Galo e o meu amigo Reinaldo que me perdoem, mas o maior jogador de futebol que já houve aqui no futebol mineiro chama-se Tostão. Que elegância para jogar! Que inteligência em campo!”.

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No meu Olimpo particular da bola, guardo espaços generosos tanto para Reinaldo quanto para Tostão. Tenho a satisfação de conservá-los como amigos. Mas quando me perguntam quem foi o melhor, fico com o segundo. Concordo sem pestanejar que o primeiro poderia ter ido bem mais longe. Mas lembro que o segundo chegou a percorrer maior distância. E foi internacionalmente um craque reconhecido como em seu país.

 

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