Home Futebol A loucura de Marcelo Bielsa (PARTE IV) – “El Loco” e a enorme legião de seguidores e admiradores

A loucura de Marcelo Bielsa (PARTE IV) – “El Loco” e a enorme legião de seguidores e admiradores

Luiz Ferreira retoma a série de reportagens sobre a carreira de “El Loco” na coluna PAPO TÁTICO; quarta parte destaca o legado deixado pelo treinador argentino e alguns dos seus admiradores declarados que fizeram e fazem sucesso no futebol mundial

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

Todo grande treinador de possui seus admiradores e seguidores. E com Marcelo Bielsa não é diferente. Aquele que ficou conhecido como “El Loco” influenciou toda uma geração de jogadores, técnicos e torcedores com seu estilo único de pensar suas equipes de futebol. Deixou uma marca tão profunda que conseguiu criar uma “terceira via” na Argentina num momento em que nossos “hermanos” se dividiam entre os adeptos de Cesar Menotti e Carlos Bilardo (campeões mundiais em 1978 e 1986 com a Seleção Albiceleste). Ainda hoje, Marcelo Bielsa é reverenciado por figuras como Pep Guardiola, Diego Simeone, Mauricio Pochettino, Jorge Sampaoli e vários outros grandes treinadores de muito sucesso no cenário internacional. O TORCEDORES.COM (através da coluna PAPO TÁTICO) retoma a série de reportagens sobre o treinador argentino falando de seus (muitos) admiradores.

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O jornalista Jonathan Wilson (autor do seminal “A Pirâmide Invertida”) conta que Pep Guardiola consultou uma série de treinadores antes de assumir o time principal do Barcelona. Um deles foi Marcelo Bielsa. A conversa que atravessou a madrugada teve muito churrasco e conversas sobre táticas e sistemas de jogo. A ênfase no passe e na recuperação da bola no campo ofensivo eram uma evolução do próprio estilo de jogo do Barça, mas a influência de “El Loco” no desenvolvimento do “jogo de posição” defendido por Pep Guardiola é bastante perceptível. A construção do histórico time do final da década de 2000 e início dos anos 2010 foi bastante facilitada pelo fato de que vários jogadores formados em La Masia (como Xavi, Iniesta, Pedro, Puyol, Piqué e o próprio Lionel Messi) já eram treinados para aprender as virtudes do passe e do posicionamento desde cedo.

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Guardiola assumiu o Barcelona em 2008 e conquistou a segunda Liga dos Campeões da história do clube logo na temporada seguinte com uma equipe baseada num 4-3-3 mas que (tal como Cruyff colocava e Bielsa reforçaria nos seus times) se desdobrava num 3-4-3 com o avanço de um dos defensores para o meio-campo. Na final de 2008/09 contra o Manchester United (vencida por dois a zero), Guardiola escalou Puyol na lateral e recuou Yaya Touré como zagueiro para encaixar o então jovem Sergio Busquets na frente da zaga. Xavi e Iniesta armavam o jogo, Eto’o e Messi se revezavam no comando de ataque e o lado direito e Thierry Henry atormentava a vida de O’Shea e Ferdinand no lado esquerdo. Conceitos de Marcelo Bielsa como a forte pressão no adversário, a polivalência de vários jogadores e o enorme volume de jogo estavam bem presentes naquele Barcelona de Pep Guardiola.

O Barcelona campeão da Liga dos Campeões da UEFA de 2008/09 iniciava uma verdadeira revolução no futebol mundial. Pep Guardiola aplicava os conceitos aprendidos com Marcelo Bielsa numa equipe que marcava forte, valorizava o passe e engolia os adversários com muito volume de jogo.

Por conta das suas passagens por diversos clubes ao longo de mais de trinta anos de carreira, Marcelo Bielsa deixou uma verdadeira legião de seguidores. Um deles é o também argentino Gerardo “Tata” Martino. O ex-jogador do Newell’s Old Boys na época áurea do clube argentino aplicou parte dos conceitos de “El Loco” aliados a uma certa dose de pragmatismo e muita consistência defensiva nas equipes que treinou. O trabalho realizado no Libertad (onde foi campeão paraguaio em 2002, 2003 e 2006) levou “Tata” Martino ao comando da Seleção do Paraguai onde pôde implementar aquilo que aprendeu com Bielsa. O vice-campeonato da Copa América de 2011 (realizada na Argentina) foi a melhor campanha do escrete Guaraní na competição desde o terceiro lugar obtido em 1983 (ano em que entrou direto nas semifinais por conta do regulamento esdrúxulo daqueles tempos).

Vale lembrar também que o regulamento da Copa América de 2011 permitiu que o Paraguai chegasse à decisão contra o Uruguai com cinco empates. Mesmo assim, eliminou equipes tradicionais como o Brasil (que era comandado por Mano Menezes e que contava com nomes como Neymar, Alexandre Pato, Paulo Henrique Ganso e Júlio César) e ainda viu o Uruguai (algoz na finalíssima) eliminar a Argentina nas penalidades. Por mais que os mais puristas torçam o nariz para a campanha paraguaia na Copa América, fato é que o 4-4-1-1 de forte marcação no meio-campo graças à nomes como Victor Cáceres (ex-Flamengo), Lucas Barrios (ex-Palmeiras e ex-Grêmio), o experiente goleiro Justo Villar (ex-Valladolid), o habilidoso Nelson Haedo Valdez (jogador com passagens pelo futebol alemão) e o goleador Roque Santa Cruz. Sem dúvidas, aquele Paraguai surpreendeu muita gente naquela Copa América.

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Gerardo “Tata” Martino armou o Paraguai vice-campeão da Copa América de 2011 num 4-4-1-1 de muita força defensiva e muita velocidade nos contra-ataques aplicando vários conceitos que aprendeu com Marcelo Bielsa. A campanha realizada na Argentina surpreendeu muita gente apesar dos cinco empates.

Um outro “pupilo” de “El Loco” Bielsa é o também argentino Jorge Sampaoli. Não é exagero dizer que o atual comandante do Atlético-MG é o técnico que mais se aproxima do seu mentor em termos de conceitos e filosofia. Quem viu o Santos vice-campeão brasileiro em 2019 (com um time extremamente ofensivo e que contava com nomes como Marinho, Soteldo, Carlos Sánchez e Eduardo Sasha) pode comprovar bem essa tese. As mudanças no esquema tático e nas escalações de acordo com os adversários, a forte intensidade nas transições (aliada ao seu “jogo de posição” bem conhecido e bem costumeiro) são algumas das marcas de um treinador de personalidade forte e com grande conhecimento de futebol. E assim como Pep Guardiola, “Tata” Martino e vários outros treinadores ao redor do mundo, Jorge Sampaoli também é admirador confesso de Marcelo Bielsa. E suas equipes provam toda essa admiração.

Se o Paraguai vice-campeão da Copa América de 2011 surpreendeu muita gente, a Universidad de Chile também foi outra equipe que encantou a América do Sul com um futebol ofensivo e praticamente irretocável. A “La U” venceu o Apertura e o Clausura daquele ano e se tornou a primeira equipe chilena a conquistar um torneio continental em mais de vinte anos ao vencer a LDU Quito por três a zero na decisão da Copa Sul-Americana com grande atuação de nomes como Eduardo Vargas, Marcos González, Charles Aránguiz, Marcelo Díaz e Gustavo Lorenzetti no mesmo 3-4-3 adotado por Marcelo Bielsa em várias das suas equipes. Depois de vencer o Apertura em 2012, Jorge Sampaoli assumiu o comando da Seleção Chilena e deu prosseguimento ao fantástico legado de “El Loco” com o título da Copa América de 2015. Mas o começo de tudo foi a sua Universidad de Chile.

O trabalho realizado por Jorge Sampaoli em equipes como o Santos e o Atlético-MG é o que mais se aproxima dos conceitos de Marcelo Bielsa. Esse processo teve início na Universidad de Chile campeã chilena e da Copa Sul-Americana em 2011 com o mesmo 3-4-3 utilizado por “El Loco” nas suas equipes.

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Interessante notar que a grande maioria dos admiradores e seguidores de Marcelo Bielsa aliou os conceitos de “El Loco” com uma certa dose de pragmatismo e cuidados defensivos. Um dos treinadores que adota essa filosofia é Diego “Cholo” Simeone. O ex-volante da Seleção Argentina assumiu o comando do Atlético de Madrid no final de 2011 e conseguiu recolocar os “colchoneros” no primeiro escalão do futebol mundial com um 4-4-2/4-4-1-1 que aliava forte compactação na frente da sua área com um volume absurdo de jogo nas transições ofensivas. Simeone conquistou dois títulos da Liga Europa (2011/12 e 2017/18), um campeonato espanhol (2013/14), uma Copa do Rey (2012/13), duas Supercopas da UEFA (2012 e 2018) e uma Supercopa da Espanha (em 2014). Tudo isso aplicando os conceitos que aprendeu com Bielsa nos seus tempos de Albiceleste.

Talvez o título mais simbólico dessa caminhada tenha sido o da Liga Europa de 2011/12 quando o Atlético de Madrid venceu o Athletic Bilbao comandado pelo próprio Marcelo Bielsa. É bem verdade que “El Loco” já enfrentou seus discípulos várias vezes nos gramados, mas a vitória dos colchoneros sobre o escrete do País Basco foi marcada pela aplicação dos conceitos defendidos por Bielsa aliados à muita força na marcação. “Cholo” Simeone deixou Diego Ribas vigiando Munain (o responsável por qualificar a saída de bola naquele time do Athletic Bilbao) e conseguiu aproveitar bem o desgaste físico dos comandados de “El Loco” na decisão em Bucareste. Aquele 4-4-1-1 tinha muita consistência defensiva com Miranda e Godín na zaga (além de Mario Suárez e Gabi no meio-campo) e os gols de um inspiradíssimo e incrivelmente decisivo Falcao García no comando de ataque.

O Atlético de Madrid de Diego Simeone aliava os conceitos de Marcelo Bielsa à forte marcação do 4-4-1-1 proposto por Diego Simeone. Difícil não notar a influência clara de “El Loco” no time que venceu o Athletic Bilbao na decisão da Liga Europa de 2011/12 com um futebol consistente e bem jogado.

Outro treinador que conseguiu ótimos resultados aplicando todos os conhecimentos adquiridos com Marcelo Bielsa foi Mauricio Pochettino. Ex-zagueiro de “El Loco” no histórico Newell’s Old Boys do início dos anos 1990 e na Seleção Argentina, Pochettino deixou suas marcas no comando do Espanyol de Barcelona (clube que defendeu por dez temporadas como jogador) e no Tottenham, recolocando o clube inglês na disputa pelos principais títulos do país e do continente. Vale lembrar que seus cinco anos no comando dos Spurs foram marcados por um futebol que visava aplicar vários dos conceitos aprendidos com Bielsa sem que sua equipe perdesse consistência ou caísse por conta do desgaste físico. Mesmo sem conquistar títulos Mauricio Pochettino ainda é um nome bastante especulado nas principais equipes da Europa após a sua saída do Tottenham no final de 2019.

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Aliás, o time que ficou com o vice-campeonato da Liga dos Campeões da UEFA (e que conquistou viradas históricas contra o Manchester City de Pep Guardiola e o Ajax de Erik ten Hag) é um bom exemplo da aplicação desses preceitos de Marcelo Bielsa. Mauricio Pochettino utilizou um 4-2-3-1 (e várias outras formações) com muita intensidade nas transições, forte marcação no campo adversário e movimentação constante no campo ofensivo. Curiosamente, um dos problemas do Tottenham acabaria sendo a falta de consistência defensiva e até mesmo um certo desgaste físico diante de um poderoso e bem organizado Liverpool. Mesmo assim, o torcedor dos Spurs ainda se lembra bem de Harry Kane, Lucas Moura, Son, Dele Alli e companhia partindo pra cima dos adversários e colocando um volume de jogo que lembrava e muito os times de Marcelo Bielsa.

Mauricio Pochettino conseguiu recuperar o prestígio do Tottenham ao aplicar os conceitos de Marcelo Bielsa na sua equipe. O vice-campeonato europeu (em 2018/19) foi marcado pela forte marcação no campo adversário, intensidade nas transições e muito volume de jogo. O 4-2-3-1 era apenas um dos desenhos táticos utilizados.

É praticamente impossível contar todos os admiradores de Marcelo Bielsa. Ainda temos os argentinos Hernán Crespo, Gabriel Heinze e Sebastián Beccacece, nomes da nova geração de treinadores do país e que já mostraram essa influência nas suas equipes. A já mencionada e comentada “terceira via” criada por “El Loco” no comando da Albiceleste, sem dúvida, inspirou, inspira e seguirá inspirando muita gente nos quatro cantos do mundo. Curiosamente, os seguidores de Bielsa acabaram sendo mais vitoriosos do que o próprio técnico. O motivo para isso pode ser o fato de todos eles terem conseguido encontrar o equilíbrio certo entre o idealismo de “El Loco” e pequenas doses de pragmatismo. Ou até mesmo a aplicação de novos conceitos (como o “jogo de posição” de Pep Guardiola no Barcelona) e leituras mais “autorais” do pensamento de Marcelo Bielsa.

O já veterano treinador argentino segue trabalhando e implementando sua filosofia de jogo no comando do Leeds United. E a maneira como “El Loco” monta e pensa os “Peacocks” será o tema da quinta e última parte da série de reportagens sobre a influência de Marcelo Bielsa no futebol mundial.

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FONTES DE PESQUISA:

Blog Painel Tático: Marcelo Bielsa, o grande treinador de técnicos do futebol
RSSSF Internacional
Dossiê Bielsa: balada para um louco (CENTRAL3)
A Pirâmide Invertida, por Jonathan Wilson (Editora Grande Área)

LEIA MAIS:

A loucura de Marcelo Bielsa (PARTE I) – Do início no Newell’s Old Boys até a Seleção Argentina

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A loucura de Marcelo Bielsa (PARTE II) – Da trajetória na Seleção Argentina e a criação de uma “terceira via”

A loucura de Marcelo Bielsa (PARTE III) – A revolução na Seleção Chilena, a aventura no País Basco e a passagem pela França