Home Futebol 50 anos do Tri (Parte VIII): Brasil 3 x 1 Uruguai

50 anos do Tri (Parte VIII): Brasil 3 x 1 Uruguai

O TORCEDORES.COM traz a vitória da Seleção Brasileira sobre o Uruguai e a classificação para a final da Copa do Mundo no oitavo capítulo da série “50 anos do Tri”: partida contra a Celeste Olímpica ficou marcada pelos pedidos de “vingança” e pela inteligência da dupla Gérson e Clodoaldo

Luiz Ferreira
Produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista formado pela ECO/UFRJ, operador de áudio, sonoplasta e grande amante de esportes, Rock and Roll e um belo papo de boteco.

A goleada por 4 a 2 sobre o Peru no dia 14 de junho, em Guadalajara, garantiu a Seleção Brasileira nas semifinais da Copa do Mundo de 1970 e aumentou ainda mais a confiança em torno do time comandado por Zagallo. No entanto, assim que o Uruguai foi definido como o adversário do escrete canarinho nas semifinais do Mundial, toda a delegação teve que conviver com um trauma ainda relativamente recente no imaginário do torcedor naqueles tempos: o chamado “Maracanazo”. A derrota para a Celeste Olímpica na Copa do Mundo de 1950 (disputada no Brasil) passou a ser um dos assuntos mais comentados nos dias que antecederam a partida do dia 17 de junho, também no Estádio Jalisco, em Guadalajara. Vinte anos depois da maior tragédia do futebol brasileiro (pelo menos até o 7 a 1 sofridos diante da Alemanha em 2014 aqui mesmo no Brasil), as duas equipes voltavam a se encontrar numa Copa do Mundo numa partida que ficaria marcada pelos desejos de “vingança” pela catimba uruguaia e pela inteligência da dupla formada por Gérson e Clodoaldo.

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O fatídico jogo contra o Uruguai aconteceu no dia 16 de julho de 1950 diante de uma verdadeira multidão no Maracanã. Estima-se que mais de 200 mil pessoas estiveram presentes no recém-inaugurado estádio acompanhando a virada da Celeste Olímpica sobre a Seleção Brasileira. Os comandados de Flávio Costa vinham de duas goleadas (7 a 1 sobre a Suécia e 6 a 1 sobre a Espanha no famoso episódio em que a torcida cantou a marcinha “Touradas em Madrid”, de Alberto Ribeiro e Braguinha) e vinha sendo apontado como o grande favorito ao título. Tanto que boa parte da imprensa já dava a conquista da quarta edição da Copa do Mundo como certa visto que o Brasil precisava apenas de um empate para ser o campeão mundial de 1950. No entanto, todo esse excesse de confiança foi bem aproveitado por Obdulo Varela, Máspoli, Ghiggia e companhia. Teixeira Heizer conta no livro “O jogo bruto das Copas do Mundo” que Varela teria ficado enfurecido com as manchetes dos jornais que teria comprado todos os exemplares de uma banca e pediu que seus companheiros de seleção urinassem em cima deles no banheiro de seu quarto.

A história apontou o goleiro Barbosa, o lateral Bigode e zagueiro Juvenal como os principais culpados pela derrota em 1950. Mas é preciso deixar claro que, além do escrete uruguaio ter muita qualidade, o técnico Juan López foi muito inteligente na organização da sua equipe. Ao ver que a Seleção Brasileira (que ainda jogava de branco naqueles tempos) encontrou muitas dificuldades para vencer a Suíça pela segunda rodada da fase de grupos da Copa do Muundo, o treinador da Celeste Olímpica fez algumas adaptações na sua equipe. Ele recuou Matías González para jogar quase como um líbero atrás da linha de três zagueiros do WM (algo como um 3-2-2-3) utilizado na época, trouxe Tejera e Varela para a frente da área e pediu que seus atacantes interiores jogassem mais recuados. O Uruguai, mesmo com o Brasil abrindo o placar aos dois minutos do segundo tempo com Friaça, soube muito bem como explorar as deficiências do WM em diagonal de Flávio Costa para decretar a virada (com gols de Schiaffino e Ghiggia) e provocar o silêncio mais ensurdecedor da história do futebol mundial.

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Uruguai vs Brasil - Football tactics and formations

O técnico Juan López escalou o Uruguai de modo a explorar as principais deficiências da Seleção Brasileira e do esquema tático de Flávio Costa. Mesmo tendo saído atrás no placar, a Celeste Olímpica conseguiu a virada através de Schiaffino e Ghiggia explorando os espaços à frente do lateral-esquerdo Bigode.

Esse era o clima do reencontro entre Brasil e Uruguai em Copas do Mundo. A Celeste Olímpica (comandada por Juan Hohberg) vinha de uma extenuante prorrogação contra a União Sovética. O gol da vitória e da classificação saiu dos pés do meio-campo Víctor Espárrago (então jogador do Nacional de Montevidéu) apenas aos 12 minutos do segundo tempo da prorrogação. Mesmo assim, o time contava com jogadores do quilate de Mazurkiewicz (goleiro que viria a defender o Atlético-MG na década de 1970), Ancheta (zagueiro que vestiu a camisa do Grêmio durante oito temporadas) e do craque Luis Cubilla (experiente atacante com passagens por Peñarol, Barcelona, River Plate e Nacional de Montevidéu). Do lado brasileiro, Zagallo tinha boas noticias. O lateral-esquerdo Everaldo treinou normalmente e se mostrava curado das dores no tornozelo esquerdo. Com o camisa 16 de volta, o técnico do escrete canarinho poderia mandar a campo aquilo que tinha de melhor à sua disposição. E em meio às recordações de 1950, a ordem era partir pra cima dos uruguaios e garantir a vaga na decisão.

A Seleção Brasileira entrava em campo no esquema já bem conhecido de Zagallo. Rivellino recuava para o meio e o 4-2-4 do papel se transformava num 4-3-3 bem fluido e com muita movimentação de Jairzinho, Pelé e Tostão. Já o Uruguai entrava em campo armado num 4-2-4 tradicional, mas de forte marcação e com jogadas rápidas que exploravam as entradas em diagonal dos pontas Morales e Cubilla às costas de Brito e Piazza. Além disso, toda a Celeste Olímpica vigiava Gérson bem de perto. Sem espaço para o camisa 8 fazer seus lançamentos, a Seleção Brasileira encontrou muitos problemas para criar suas jogadas. Maneiro e Fontes orbigaram Félix a trabalhar com dois chutes de longa distância. No entanto, aos 19 minutos, Brito errou passe no meio e armou o contra-ataque uruguaio. Cubilla recebeu cruzamento de Morales às costas de Everaldo e Piazza e chutou meio de canela. A bola passou por Félix (que deveria esperar um cruzamento) e entrou mansamente no gol brasileiro. Enquanto os fantasmas de 1950 voltavam para assombrar a Seleção Brasileira, Gérson e Clodoaldo encontrariam uma solução simples e bem eficiente para furar o eficiente bloqueio defensivo do Uruguai.

Brasil vs Uruguai - Football tactics and formations

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O Uruguai vigiava Gérson de perto e marcava forte (apelando para a violência em alguns lances). O gol de Cubilla, no entanto, nasceu de mais uma falha defensiva do Brasil. O gol de empate nasceria de uma mudança tática realizada por iniciativa de Clodoaldo e do próprio Gérson nos minutos finais do primeiro tempo.

Já nos momentos finais da primeira etapa e vendo que não tinha espaço para fazer seus lançamentos, Gérson propôs a Clodoaldo uma mudança de posição: ele ficaria mais plantado à frente da zaga e o camisa 5 teria mais liberdade para avançar ao ataque. Com todos os jogadores mais calmos, colocando a bola no chão e fugindo da violência dos uruguaios, o gol de empate do escrete canarinho não demoraria muito para chegar. E ele veio aos 44 minutos. Tostão recebeu bola na esquerda e viu Clodoaldo se lançando no espaço aberto na zaga uruguaia. O camisa 9 fez o passe em profundidade e o jovem meio-campista tocou na saída de Mazurkiewicz. A Seleção Brasileira empatava o jogo num momento crucial. E o gol do empate saiu justamente dos pés de um dos atletas mais novos do elenco e que não havia visto a final da Copa do Mundo de 1950. Clodoaldo nasceu em 1949, menos de um ano antes da vitória da Celeste Olímpica sobre o Brasil no Maracanã. O intervalo seria muito importante para que Zagallo acertasse o time e preparasse seus jogadores para o que estava por vir nos últimos 45 minutos da partida em Guadalajara.

O jogo seguiu tenso na segunda etapa. Pelo lado uruguaio, Ubíña, Fontes e Mujica se revezavam na caça (literalmente falando) ao escrete brasileiro. Vale lembrar que Jairzinho, Pelé, Rivellino e até Everaldo sofreram com os pontapés dos adversários sem que o árbitro espanhol José María Ortiz de Mendibil tomasse uma atitude mais rígida com os uruguaios. O jogo seguiu tenso até os 31 minutos quando Jairiznho arrancou do campo defensivo e passou a bola para Pelé. O rei passou para Tostão e o camisa 9 devolveu para o “Furacão da Copa” ganhar de Matosas e chutar no canto direito de Mazurkiewicz. A partir daí, a Seleção Brasileira se fecha na defesa para esperar o momento certo de encaixar o contra-ataque. E o terceiro gol saiu aos 44 minutos. Pelé (que já havia acertado uma cotovelada em Fontes igualmente ignorada pela arbitragem) recebeu na esquerda e só rolou a bola para Rivellino chutar cruzado e marcar o terceiro gol brasileiro. O fantasma de 1950 finalmente estava exorcizado e a nossa Seleção Brasileira estava garantida na decisão da Copa do Mundo de 1970.

Uruguai vs Brasil - Football tactics and formations

A Seleção Brasileira chegou à virada com dois belos gols de Jairzinho e Rivellino controlando os espaços e partindo em velocidade para o contra-ataque. O técnico uruguaio Juan Hohberg tentou colocar seu time no ataque com Espárrago na vaga de Maneiro, mas o Brasil manteve os nervos do lugar e garantiu o resultado com boas defesas de Félix.

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Mesmo sem ter marcado na vitória sobre o Uruguai, Pelé protagonizou alguns momentos incríveis na partida. O primeiro aconteceu logo no início do segundo tempo, pouco depois de quase mandar a bola para fora do Estádio Jalisco em cobrança de falta. Mazurkiewicz cobrou mal um tiro de meta e Pelé emendou um chutaço da intermediária de primeira para mais uma defesa brilhante do arqueiro uruguaio. Aos 46 minutos, Tostão lançou Pelé que deu um drible de corpo em Mazurkiewicz sem tocar na bola. O chute, no entanto, saiu raspando a trave direita. Momentos que só o Rei do Futebol pode proporcionar.

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A Seleção Brasileira estava de volta a uma final de Copa do Mundo depois de oito anos. O adversário na final seria a Itália que, assim como o escrete canarinho, também estava de olho no seu terceiro título mundial após despachar a Alemanha Ocidental. Mas as notícias que chegavam à Guadalajara eram as de que italianos e alemães haviam feito um dos jogos mais emocionantes de todos os tempos. Mas isso é assunto para o nono e penúltimo capítulo da série “50 anos do Tri”.

Relembre os capítulos anteriores do especial “50 anos do Tri”:

50 anos do Tri (Parte I): Toda história tem um começo
50 anos do Tri (Parte II): A saída de João Saldanha e a chegada de Zagallo
50 anos do Tri (Parte III): Começa a Copa do Mundo!
50 anos do Tri (Parte IV): Brasil 4 x 1 Tchecoslováquia
50 anos do Tri (Parte V): Brasil 1 x 0 Inglaterra
50 anos do Tri (Parte VI): Brasil 3 x 2 Romênia
50 anos do Tri (Parte VII): Brasil 4 x 2 Peru

FONTES DE PESQUISA:

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Site oficial da CBF
Site oficial da FIFA – 1970 World Cup
RSSSF Brasil
The RSSSF Archive
A Pirâmide Invertida, de Jonathan Wilson (Editora Grande Área)
Os 55 maiores jogos das Copas do Mundo, de Paulo Vinícius Coelho (Panda Books)
Escola Brasileira de Futebol, de Paulo Vinícius Coelho (Editora Objetiva)
As melhores Seleções Brasileiras de todos os tempos, de Milton Leite (Editora Contexto)
O jogo bruto das Copas do Mundo, de Teixeira Heizer (Editora Mauad)

LEIA MAIS:

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