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Allan Simon: Flamengo deveria liderar movimento para mudar lei dos direitos de transmissão

Briga do Flamengo com a Globo não vai provocar revolução no futebol sem mudanças na legislação brasileira

Por Allan Simon em 03/02/2020 07:00 - Atualizado há 4 anos

O Flamengo foi um dos times que logo toparam negociar em separado com a Globo na crise do Clube dos 13 em 2011, desautorizando a licitação que teria como vencedora a RedeTV! na disputa pelos direitos de transmissão do Brasileirão em TV aberta entre 2012 e 2015. O Rubro-Negro também não topou mudar seus jogos em TV paga para a Turner na batalha travada entre os dois grupos em 2016, valendo pelo contrato 2019-2024.

Sempre fiel à Globo, o Flamengo surpreendeu ao mudar de postura nos últimos meses. Se recusou a fechar contrato pelos direitos de transmissão do Campeonato Carioca, e os jogos do time rubro-negro estão fora de todas as mídias até agora nesta competição. Segundo reportagem do UOL Esporte, o clube quer R$ 80 milhões. A emissora topa pagar apenas os mesmos R$ 18 milhões que recebem os três grandes do estado.

Mais além: na semana passada, de acordo com o mesmo texto, o Flamengo entrou na Justiça contra a Globo por questões contratuais do Brasileirão. O clube se sente prejudicado por ter tido menos jogos exibidos em TV aberta e TV paga, com o grupo de comunicação privilegiando o PPV. E até citou o fato de que a emissora manobrou a tabela para exibir no sinal aberto os mesmos jogos que eram da Turner na TV por assinatura, acusando uma tentativa de esvaziar a audiência da rival.

Esse ponto merece dois grandes comentários: primeiro, o Flamengo tem razão ao apontar que teve menos jogos transmitidos na TV Globo e no SporTV no Brasileirão 2019. A emissora aberta exibiu 12 jogos do Rubro-Negro, enquanto o canal fechado mostrou apenas um, e com sinal fechado para o Rio de Janeiro, que deveria ver no Premiere um duelo que já nada valia contra o Avaí na penúltima rodada, com o time carioca já campeão.

Ainda dentro desse tópico, porém, é preciso lembrar que o Flamengo tinha um mínimo garantido de vendas do PPV (pay-per-view), algo em torno de R$ 120 milhões. Seria impossível imaginar que a Globo não fosse “forçar” o torcedor flamenguista a comprar esses pacotes do Premiere para alcançar o valor combinado e, então, dar lucro. Foram 25 partidas exclusivas nessa mídia na campanha do título brasileiro.

É fato que o Flamengo perdeu dinheiro na conta de TV aberta e fechada, já que o contrato dos times com a Globo prevê que 30% do bolo total é distribuído de acordo com a quantidade de partidas. Segundo projeção feita em meu blog, o Rubro-Negro levou R$ 11,25 milhões pelas transmissões na TV Globo, mas apenas R$ 812,5 mil pelo único jogo exibido no SporTV. Esses valores, lembrando, se referem apenas ao que o clube recebeu dentro dos 30% divididos pelas exibições.

O Athletico, que não vendeu seus direitos e desfalcou o PPV em 2019, obrigou a Globo a mostrar 15 de seus jogos em TV aberta, e outros quatro com exclusividade no Globoesporte.com, que, apesar de ser um portal de internet, caracterizou as transmissões gratuitas como “TV aberta”. Com isso, o Furacão recebeu pelo equivalente a 19 partidas, ganhando quase R$ 18 milhões só por isso, além do valor arrecadado com a Turner pelos jogos transmitidos na TNT.

Resultado: somando apenas os bolos de transmissões da Globo e da Turner, o campeão brasileiro foi parar na “zona do rebaixamento” financeira. Foram R$ 34 milhões para o Flamengo, valor superior apenas ao recebido pelo Fortaleza (R$ 27,6 milhões), que não tem contrato igual aos demais times do Esporte Interativo. O Athletico, que liderou essa parte do ranking, ganhou R$ 50,4 milhões.

Premiações e o PPV devolveram ao Flamengo posteriormente o lugar de clube que mais recebe dinheiro de TV no Brasileirão. A estimativa do Blog do Allan Simon é de que o Rubro-Negro tenha ganhado R$ 187 milhões em 2019, o que justificaria em tese a atitude da Globo preservar o pacote de jogos do time carioca no Premiere, algo que agora é alvo de reclamação na Justiça.

O segundo ponto: impressiona que o Flamengo, sempre fiel à Globo, tenha sido a primeira voz pública a se pronunciar sobre a atitude da emissora ao esvaziar os jogos da Turner no Brasileirão. Os times que venderam seus direitos ao Esporte Interativo nada comentaram sobre uma estratégia que puniu o grupo com uma concorrência desleal da TV aberta em jogos que muitas vezes estavam disponíveis para uma região nos dois canais.

Pelo contrário: até se aproveitaram. Todo jogo que foi transmitido pelos dois canais ao mesmo tempo foi faturado duas vezes nos bolos de transmissão. Ou seja, um Internacional x Palmeiras que passou na Globo SP e na TNT para o mesmo estado rendeu aos dois times uma participação na divisão do dinheiro da emissora aberta ao mesmo tempo em que também eram registrados na distribuição da TV fechada.

Mas o Flamengo não é santo, não está defendendo a causa da Turner. Ninguém nessa história é santo. O clube sabe tanto quanto eu que seus rivais receberam em dobro por jogos exibidos nas duas mídias, enquanto o Rubro-Negro perdia espaço na TV Globo e era praticamente esquecido pelo SporTV. Isso também provavelmente se refletiu na exposição de seus patrocinadores, relegados ao PPV em quase 66% da campanha no Brasileirão.

O Flamengo tem total direito de brigar pelo que acredita. Mas que o torcedor, principalmente, não se iluda: essa história não vai a lugar algum enquanto o clube não usar sua força, seus milhões de fãs, e seu poder de bastidores para liderar um movimento que faça alterações nas leis que regem os direitos de transmissão no Brasil.

Se, de uma hora para a outra, o Flamengo resolvesse romper todos os contratos com a Globo, conseguiria apenas reduzir a oferta de jogos do Carioca e do Brasileirão na mídia brasileira. Mas, com a emissora sendo dona dos direitos de transmissão de todos os outros adversários, seriam impossíveis iniciativas como transmissões próprias na internet dos duelos. Foi inclusive comentado que o Rubro-Negro ofereceu comprar dos globais alguns direitos do Carioca para exibir partidas por conta. Impossível, não é do feitio da Globo esse tipo de atitude.

A Lei Pelé, em seu fraco e vago artigo 42, determina que “pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem”. A Justiça tem dado entendimento de que esse plural no “às entidades” significa que os dois clubes em campo têm o mesmo direito sobre as transmissões.

É preciso que a lei seja mais clara: o direito de arena tem que ser do clube mandante. Só clubes do porte do Flamengo conseguiriam uma alteração, que sequer é difícil do ponto de vista de tramitação no Legislativo, mas que certamente esbarraria nos interesses da Globo. Qual seria outro momento político mais apropriado para fazer isso, quando o Brasil tem um presidente que veste a camisa do Flamengo e reiteradamente ataca a emissora?

Caso os direitos fossem dos times mandantes, o mercado brasileiro finalmente se veria livre nos negócios de direitos de transmissão. Clubes como Atlético-GO teriam o mesmo pacote de jogos para vender que o Flamengo. Cada um poderia fazer seu preço. Uma emissora poderia pagar um valor mais acessível do que ter que arcar com R$ 1,5 bilhão para transmitir tudo, desembolsando apenas o necessário pelas partidas de times que topem vender mais barato e, assim, transmitir seus 19 jogos em casa durante o ano.

Clubes menores poderiam continuar com a Globo, garantindo a ela partidas importantes de Corinthians, Flamengo, Palmeiras, São Paulo, Vasco, Santos e tantos outros como visitantes. Clubes mais estruturados poderiam finalmente pensar em fazer suas transmissões próprias e lucrar com isso. Ou, se entendessem que a operação sairia cara demais, vender em verdadeiras concorrências os direitos das partidas em casa. Em último caso, separar os jogos que seriam exclusivos para PPV e vender pacotes com cinco, seis duelos a quem interessasse na TV aberta, outros cinco ou seis na TV paga.

Cenários não faltam. Isso seria uma revolução que mudaria para sempre o mercado de direitos de transmissão no Brasil. Tem seus inúmeros prós, como a expansão e a possibilidade de concorrência que, no todo, ampliaria a quantidade de grupos de comunicação envolvidos no processo. E também seus contras, principalmente para os grandes, que se veriam com pacotes de 19 jogos nas mãos, mas sem direito algum sobre os outros 19 como visitantes.

Avaliar tudo isso é algo que os clubes deveriam fazer em conjunto. E, se está insatisfeito como agora se mostra, o Flamengo deveria liderar esse movimento.

Allan Simon é jornalista esportivo desde 2011, tendo passado por redações como o R7, Abril.com, UOL Esporte e Torcedores. Participou das coberturas de duas Copas do Mundo, duas Olimpíadas, dois Pans, e diversos outros momentos históricos do esporte brasileiro nesta década. Criador do Prêmio Torcedores de Mídia Esportiva. Atualmente comanda o Blog do Allan Simon, é colaborador do UOL e colunista do Torcedores, tendo também um canal no YouTube com análises, histórias e estatísticas de mídia esportiva e futebol em geral.

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